A discussão do processo de desenvolvimento do PRR e do Portugal 2030 tem passado ao lado daquilo que considero ser o tema mais crítico para o desenvolvimento estruturado do nosso país: a competitividade da nossa economia.
Mais do que elencar um plano de investimentos do Estado, esta é uma oportunidade única para abordarmos, de forma estruturante e mobilizadora, os grandes desafios de transformação da nossa economia.
É verdade que a situação de emergência gerada pela pandemia requer um ataque aos problemas económicos imediatos, que se agravarão com o final das moratórias, já no final deste ano. Porém, ao atirarmos dinheiro para cima dos problemas urgentes, geraremos a ilusão de recuperação, mas persistiremos em não resolver os problemas estruturais da nossa economia.
Por isso, na minha opinião, este é o momento para um verdadeiro choque de gestão nas empresas portuguesas.
Antes de mais, esse choque de gestão tem de começar pelos empresários e pela tomada de consciência definitiva de que não podem persistir em práticas organizacionais do passado, quando a tecnologia e os modelos de negócio mudam radicalmente a todo o momento. Se não compreenderem que os seus métodos de gestão têm de passar a ser mais ágeis, mais adaptativos e mais flexíveis (como escrevi aqui, há uns tempos), então não haverá PRR ou qualquer outro instrumento que nos consiga valer.
Mas o PRR e o Portugal 2030 podem fazer muito para induzir esse choque de gestão.
De forma modesta, deixo o meu contributo através de 5 medidas que deveriam ser incorporadas nestes novos instrumentos:
1. Capacitar os gestores com novas competências em gestão, liderança, transformação digital, modelos de negócio e sustentabilidade.
Precisamos de um programa massivo de capacitação de gestores, nas pequenas e médias empresas, que vá para além dos catálogos de formação profissional e que forneça competências, ferramentas e métodos de gestão atualizados, mais sofisticados e mais eficientes. Essa componente de capacitação dos gestores deve ser obrigatória, e as suas despesas elegíveis, em cada projeto financiado.
2. Correlacionar todos os investimentos em tecnologia com indicadores de transformação. Atirar dinheiro para financiar a incorporação de tecnologia nas empresas foi a tónica dos anteriores quadros de apoio. O último modelo da máquina ou do software só deverá ser financiado se tiver associado um plano concreto de redesenho processual ou organizacional, que evidencie os ganhos de produtividade e de competitividade dessa tecnologia.
3. Indexar métricas relacionadas com gestão sustentável aos objetivos e indicadores de realização dos projetos financiados.
A competitividade das nossas empresas vai estar diretamente associada a princípios de sustentabilidade, traduzidos em indicadores ESG (“Environment, Social and Governance”). Nesse contexto, importa premiar, na avaliação das candidaturas, as empresas que demonstrem adotar modelos justos e inclusivos de gestão do seu capital humano e práticas de proteção e regeneração ambiental.
4. Reforçar, massivamente, as práticas de inovação nas pequenas e médias empresas.
Importa reconhecer que a inovação deve ser uma construção sistemática, estruturada e contínua da viabilidade atual e, simultaneamente, da viabilidade futura da empresa. A inovação – medida através de indicadores de realização e performance próprios, específicos e acionáveis – deve constituir obrigação de elegibilidade em cada projeto financiado.
4. Premiar esforços colaborativos, projetos conjuntos e consórcios de empresas de diferentes dimensões.
A colaboração entre grandes empresas, PMEs e startups, em modelos de ecossistemas abertos de inovação, gera ganhos mútuos para todos os parceiros e promove efeitos multiplicadores nos negócios conjuntos e na cadeia de fornecimentos. Os sistemas de incentivos à inovação devem promover projetos colaborativos em pequena escala, entre empresas, para que elas, de uma vez por todas, trabalhem em conjunto e obtenham escala para competirem globalmente.
Estou em crer que podemos ir ainda a tempo de fazer bem as coisas certas.
Artigo publicado originalmente no Observador a 07.06.21