Hoje fui buscar o meu filho à escola e contava-me ele, orgulhoso, sobre a sua mais recente aprendizagem – a roda dos alimentos. Disse-me também que quando fosse grande queria ser Pai, mas divago. Depois de me ter demonstrado que tinha aprendido (e bem!) a lição, pediu-me um gelado.
Questionei se sabia em que parte da roda alimentar se iria encaixar o que me tinha acabado de pedir e se considerava uma escolha saudável. Claro que não. Sabia perfeitamente que fazia parte da fatia dos 2% de açucares que devemos ingerir e que constava na lista dos “alimentos não saudáveis”. Ainda assim queria-o porque não considerava a consequência da sua escolha grave o suficiente para abdicar dela e “é só de vez em quando Pai”.
Porquê trazer esse assunto para um artigo de liderança? Em primeiro lugar, porque tinha acabado de ouvir uma das melhores Ted Talks que já ouvi e que falava precisamente sobre ovos e galinhas e, logo aí, houve uma natural associação.
Depois, porque a dita Ted Talk utilizava o exemplo das galinhas mais e menos produtivas (ou seja, que põem mais ou menos ovos) para desmistificar o conceito de sucesso e, consequentemente, o conceito daqueles que são considerados bem e malsucedidos e fez-se luz.
O tema que aqui quero hoje trazer cabe perfeitamente num modelo semelhante ao da roda dos alimentos. Ilustro assim melhor o que quero dizer, enquanto faço jus a uma invenção portuguesa de 1977 e que, ainda hoje é utilizada a nível mundial para ensinar sobre a importância de uma alimentação equilibrada onde têm lugar todos os alimentos. Noutros países é vulgar a utilização de uma pirâmide em substituição do nosso modelo circular, o que claramente confere mais importância a uns alimentos do que a outros e, assim, não cumpre de igual forma o ideal de equilíbrio pretendido.
Também numa empresa, a procura do equilíbrio deve ser uma constante, especialmente no que diz respeito ao seu bem mais precioso: as pessoas ou, numa linguagem mais corporativa, o seu capital social.
É frequente dar-se a mesma importância ao capital social de uma empresa que se dá ao elemento central da roda dos alimentos, ou seja, à água. Sabemos que é crucial, que devemos beber, no mínimo 1,5 litros de água por dia, mas ficamo-nos muitas vezes por dois ou três copos e já é suficiente.
No entanto, o contexto que hoje vivemos pede uma atenção cada vez mais urgente a todas as componentes ilustradas nesta roda, bem como ao capital social enquanto única receita para enfrentar os problemas cada vez mais complexos de uma sociedade onde as consideradas super galinhas têm cada vez menos lugar cativo.
Líderes e galinhas – o que têm em comum?
Passo, então, a explicar este conceito das super galinhas e o que lhe está inerente voltando à mencionada Ted Talk para esclarecer o tema do sucesso e da produtividade. A teoria é da autoria do biólogo evolutivo William Muir, brilhantemente narrada pela Margaret Heffernan.
Trata-se de uma experiência conduzida pelo biólogo que teve como objetivo avaliar a produtividade das suas galinhas, individualmente e em conjunto. William identificou as galinhas mais produtivas (as que punham mais ovos) de cada geração e juntou-as num grupo isolado de outro composto por galinhas que apresentavam uma produção normal de ovos (nem muito alta, nem muito baixa). Resultado? O grupo com as super galinhas ficou reduzido a três elementos, uma vez que, para demonstrar a sua supremacia, as galinhas mataram-se umas às outras. Ou seja, uma super galinha só é bem-sucedida quando suprime o sucesso da outra.
Esta analogia é fácil de compreender e de aplicar aos indivíduos, às empresas, às sociedades, aos países ou mesmo à vida pessoal de cada um. É uma experiência que destaca, acima de tudo, a necessidade de cooperação, de relação interpessoal e de igualdade.
E, mais uma vez, porque é relevante falar de galinhas num artigo sobre liderança no contexto pós-pandémico? Essencialmente porque, quanto mais afastados estamos e mais focados nas nossas próprias tarefas e na nossa própria performance, mais nos esquecemos da necessidade de cooperação. Esquecemo-nos de que não são as empresas que têm ideias e fazem acontecer. São as pessoas. E só o fazem quando colaboram, quando são capazes de se ajudar umas às outras, de colmatar as dificuldades dos seus pares é que isso é possível. Uma pessoa pode não ser perfeita, mas uma equipa consegue sê-lo.
Estamos, mais que nunca, num contexto em que não precisamos de super galinhas, mas de líderes que saibam brilhar sem ofuscar os seus colegas e colaboradores. O brilho vem precisamente de criar o espaço de segurança psicológica (físico ou não), os recursos e os momentos que fazem acontecer; que permitem a empatia, a colaboração social e, consequentemente, que fazem as ideias acontecer e as empresas evoluir. Agora, mais que nunca, um bom líder é aquele que nem se vê (mas que está sempre lá).
Hoje, é necessário o talento de todos, um trabalho colaborativo e com foco no cariz social, para evitar a organização baseada no modelo das super-galinhas. Existem três fatores específicos que devem ser tidos em conta:
- A rivalidade deve ser substituída pelo capital social, ou seja, mais partilha e interação e menos competitividade cega e egoísta;
- A motivação não pode ser o dinheiro, mas antes o talento e o contacto com pessoas que nos desafiam e trazem ao de cima o melhor de nós – os nossos super poderes;
- A liderança deve ser uma atividade que cria as condições para que os liderados possam dar o seu melhor e o espaço onde acontecem coisas fantásticas feitas em conjunto.
Retomando a roda alimentar corporativa acima apresentada, é crucial perceber que o foco está na partilha e na cooperação, bem como na confiança mútua, reciprocidade e sentido de pertença.
Home is where your office is
Por esta altura deve estar a questionar como posso estar a defender de forma acérrima o investimento no capital social de uma empresa num contexto em que as pessoas nunca estiveram tão afastadas fisicamente. Com a adoção de novos modelos de trabalho, o remoto ou o chamado híbrido é cada vez mais uma realidade e isso não beneficia em nada a promoção da relação interpessoal entre colegas.
No entanto, é precisamente com a adoção de novos modelos que o conceito de espaço em si também ganha uma nova dimensão e, cada vez mais, uma conotação subjetiva. Como? É simples: a nossa relação com um determinado local é difícil de perceber. Tanto estamos bem como, de repente, apetece-nos mudar de casa ou a posição dos móveis. A própria noção de conforto e bem-estar num espaço está intimamente ligada à nossa origem. Quando estamos em casa, no escritório ou num ambiente com o qual já estamos familiarizados, damos o mesmo por garantido e, às tantas, já nem lhe prestamos tanta atenção.
Acontece, com frequência, só voltarmos à consciência de que ali nos encontramos quando há uma interação social e, também por isso, se pode afirmar que o conceito de espaço é inquestionavelmente social. No sentido em que são, muitas vezes, as interações virtuais ou sociais que o tornam visível.
No contexto desta discussão do trabalho remoto vs trabalho presencial, percebemos que o que faz falta são as pessoas, não os locais. Especialmente para quem é novo, os laços sociais importam muito e não podem ser substituídos como quem altera a posição da secretária.
De acordo com este relatório, os futuros espaços de trabalho terão que ser flexíveis por forma a atrair e reter o melhor talento, da mesma forma que garantem que os trabalhadores se sentem enérgicos, motivados e criativos quer estejam a trabalhar no escritório ou remotamente.
Se alguma coisa mudou, foi a perceção do que é necessário para a produtividade e colaboração, bem como o significado de “escritório” em si. Devemos aprender com isso e investir numa abordagem aos locais de trabalho enquanto ecossistemas e não como locais físicos discretos e muitas vezes anónimos.
A abordagem híbrida tem ganho força e é, provavelmente, um dos maiores desafios dos líderes que precisam de antecipar e modelar os tipos de momentos sociais que proporcionam conexões humanas mais valiosas tanto no “escritório”, como em casa.
Então, num modelo híbrido, o que fazer para potenciar o capital social?
Quando no escritório, aproveitar os momentos de interação e fazer o máximo de trabalho colaborativo possível. Quando em casa, tentar sincronizar pausas com os colegas e fomentar momentos de socialização durante as mesmas; organizar as já famosas sessões de deep work conjuntas para não deixar de sentir a presença dos colegas.
O modelo híbrido torna-se, para muitos, aquele que “não é carne, nem é peixe”. Sabemos que é a tendência e que será o mais benéfico mas não é fácil de gerir e carece de uma grande organização, bem como de uma boa coordenação e liderança.
O maior paradoxo deste modelo reside na complexidade de encontrar o equilíbrio necessário entre o contacto pessoal e a flexibilidade / comodidade do trabalho remoto. Mais do que isso, o facto de ser possível pensar num novo modelo de trabalho, faz-nos questionar o trabalho em si. Não está só em causa o “como” ou o “onde” trabalhamos, mas também, e cada vez mais, o “porquê”.
Este é o grande desafio dos líderes, precisamente aqueles que, de acordo com diversos estudos que têm sido feitos sobre esta temática, sentem mais necessidade de estar próximos dos seus colaboradores e de os “sentir” perto.
De facto, a função na empresa é um fator que determina a preferência pelo trabalho remoto ou pelo regime presencial. O que não deixa de ser interessante porque, para quem não tem que gerir (tarefas e pessoas) é claramente mais cómodo realizar as tarefas “no seu cantinho” do que para aqueles que têm que / devem reconhecer a performance dos colaboradores, garantir o seu bem-estar, a sua motivação e, claro, a sua produtividade.
Neste contexto, os líderes sentem-se pressionados a adaptar o seu estilo aos novos modelos de trabalho, bem como a optar por políticas cada vez mais flexíveis.
Nunca isto teve tanta importância – líderes e gestores a terem que garantir a produtividade e o bem-estar numa transição abrupta, sem qualquer preparação estratégica. Percebe-se a dificuldade.
O seu trabalho inclui agora também a gestão de mentalidades e a resposta a necessidades e preferências que variam significativamente entre aqueles que são defensores acérrimos do trabalho remoto, os que querem voltar ao escritório e os que se querem manter num sistema híbrido.
Assim, em resposta à necessidade do presente contexto, a empatia é a característica mais procurada num líder e, como afirma o próprio CEO da Microsoft, o cuidar é a nova moeda de troca – Care is the new currency.
Artigo originalmente publicado no Jornal Eco a 18.10.21.