A sensibilidade feminina, que vai sendo culturalmente negada aos homens, é um dos critérios mais relevantes da liderança.
A liderança veste calça ou saia?
Fui criado por uma rainha filha de outra rainha. A minha mãe criou-me sozinha tendo três empregos em simultâneo. A minha avó tirou uma licenciatura em Belas-Artes, carta de condução, teve nove filhos e reformou-se aos 70 anos porque a obrigaram. Aos 98 ainda tomava conta da família toda e nunca a vi queixar-se um único dia da vida dela.
Arrepio-me sempre que ouço falar que as mulheres ganham menos. Não é esse o mundo de onde venho nem o mundo onde quero viver.
Sempre que uma mulher chega ao topo da cadeia de poder, é notícia. Em pleno século XXI ainda não é comum que as mulheres ocupem cargos de topo e isso é visto com admiração (e surpresa!) tanto por homens como pelas próprias mulheres. Criam-se vários fóruns sem homens, prémios e concursos para o efeito, curiosamente quase sempre com designação estrangeira, porque em português não soa tão bem a premiação feminina: Women Entrepreneurship Award, Women on Boards, Portuguese Women in Tech and many others.
Quem ganha é ovacionada por aqueles que verdadeiramente dão valor e reconhecem o mérito à mulher em questão, mas também por aqueles a quem convém, de vez em quando, ir dando provas de intenção de igualdade como quem planta uma árvore por ano para ostentar a sua responsabilidade ambiental.
É sabido que, para chegar lá, ela teve que provar que é três vezes melhor que um homem (o que para muitas mulheres até nem é assim tão difícil), enquanto ainda tem outros tantos papéis para ocupar fora da esfera do poder profissional. Acontece que há poucos obstáculos para que os homens, ainda que incompetentes, cheguem ao poder enquanto, pelo contrário, há demasiados obstáculos para que as mulheres, por mais capazes que sejam, cheguem a altos cargos. Neste campo, o género é, muitas vezes, um critério por si só.
De acordo com um estudo divulgado recentemente, intitulado “Women in Banking and Finance“, as mulheres no setor financeiro têm a noção que precisam de mostrar excelência contínua no seu trabalho para progredir, enquanto os homens têm mais espaço para cometer erros. Homens “medíocres” têm maior propensão para permanecer no setor do que as mulheres, porque se enquadram na perceção social do perfil de quem trabalha no mercado financeiro, explica o estudo.
A Simone De Beauvoir disse tudo: “No dia em que tivermos mulheres incompetentes em posições de poder teremos igualdade.”
Afinal, qual é o sexo forte?
A igualdade (ou falta dela) de homens e mulheres que ocupam lugares de chefia continua a ser um tema que merece ser dissecado vezes sem conta, para que cada homem (e cada mulher) perceba que não há razão para que haja esta distinção. Haveria até mais motivos para escrever sobre porque é que, muitas vezes, as mulheres são melhores líderes que os homens, mas também não vamos entrar por aí porque aqui defende-se que as competências individuais e profissionais são assexuadas.
As competências. Porque a prova social para uns e outros é bem diferente. Encontramo-nos dotados de expressões como “por detrás de um grande homem, há sempre uma grande mulher”. Elogios disfarçados que remetem a mulher para segundo plano e que a relembra constantemente do “seu lugar”. Eu sempre achei mais piada à frase “por detrás de um grande homem está uma mulher surpreendida”.
Mas quantas vezes não se verifica a situação contrária: que a mulher é precisamente o pilar da família ou mesmo de uma sociedade? Há exemplos bem claros, como é o das mulheres do Minho ou do Sul de Itália, que, volta não volta, põem toda a família na linha e provam que a liderança também se faz (e bem!) no feminino.
Também não são poucas as sociedades matriarcais de que há registo. Em todos os cantos do mundo, mas especialmente nos países orientais, a mulher é venerada no campo etéreo e físico. É considerada fonte de inspiração e exemplo a seguir.
Diz-se que a última sociedade matriarcal da Europa fica na Estónia, nas pequenas ilhas de Kihnu e Manija, onde “as coloridas e pitorescas casas de madeira que se destacam entre a floresta intocada são como as mulheres que as habitam: frágeis, sensíveis, mas aguentam-se firmes, ano após ano, através dos longos invernos glaciares da ilha”.
Competências da liderança no feminino
As situações de crise, como a que se vive no âmbito da pandemia, realçam os líderes e aqui merece ser destacado um exemplo particular de liderança no feminino (mas que não é único) –, o exemplo da polémica chanceler alemã.
Muitos não reconhecem na figura austera que representa nenhuma sensibilidade ou capacidade de liderança relacional, na qual impera o afeto e a preocupação com o outro. Mas este é o melhor caso para perceber que ser sensível não é (e não tem que ser) o mesmo que ser lamechas.
A chanceler alemã Angela Merkel é precisamente a personificação da mulher que se mantém sabiamente calma no meio da tempestade. O seu estilo comedido e ponderado, apurado ao longo da sua carreira política de mais de 30 anos, tem assegurado a sua liderança ao longo desse tempo.
É uma líder que faz juízos de valor baseados em dados científicos e evita cair em dramas ou exageros. É humilde e sabe admitir que o seu conhecimento tem limites e que há outros que sabem mais do que ela em determinadas áreas. Representa o tipo de pessoa que a sociedade precisa para lidar com a crise pandémica (e outras), uma vez que afirma constantemente ter a noção de que esta situação é sobre pessoas e que cada vida importa.
Essa sensibilidade feminina, que vai sendo culturalmente negada aos homens, é um dos critérios mais relevantes da liderança. A capacidade de olhar para cada um e avaliar as suas necessidades para garantir o bem-estar de um todo.
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Artigo originalmente publicado no Observador a 02.07.21