Na liderança de futuro, as competências humanas vão ser valorizadas em detrimentos das técnicas. O treino do foco de atenção e da mente são essenciais e já são várias as empresas que incluem o mindfulness nos seus programas de formação. Os desafios da liderança de futuro constam do livro The Mind of a Leader, que o autor, Rasmus Hougaard, apresentou na Porto Business School.
Atravessamos uma crise de liderança e os líderes e organizações não estão a conseguir dar resposta às necessidades humanas dos seus funcionários, como o propósito, a conexão e a felicidade no trabalho. Estas são algumas conclusões da pesquisa global que envolveu mais de 35 mil líderes e 250 executivos de topo sobre as competências para uma liderança de sucesso no século XXI e que deu origem ao livro “The Mind of the Leader: How to Lead Yourself, Your People, and Your Organization for Extraordinary Results”.
Rasmus Hougaard, autor do livro publicado recentemente pela Harvard Business Review Press, explicou que esta crise de liderança deve-se ao facto de os líderes serem reconhecidos pelas suas capacidades técnicas em vez das qualidades humanas. “Esse é o maior problema de liderança atualmente”, afirmou na sessão de apresentação do livro que decorreu a 14 de novembro, na Porto Business School.
“A liderança atual tem mais a ver com ser um ser humano melhor do que ser um bom gestor. E se queremos criar culturas é preciso atrair as pessoas certas e, para chegar a culturas de alta performance, é preciso uma abordagem verdadeiramente mais humana na liderança”, constata o autor do livro.
Na era digital e da tecnologia que está em diferentes esferas da nossa vida, o lado humano é cada vez mais importante. “O que a investigação tenta perceber é em que zonas a tecnologia não está a entrar na nossa vida. E isso está relacionado com as qualidades humanas básicas, a empatia e a inovação. Essas coisas não podem vir das máquinas e, por isso, a formação em liderança está a aumentar assim como o desenvolvimento dessas competências e é nisso que os investigadores estão focados para os futuros líderes”, sublinha o investigador.
A pesquisa que deu origem à publicação revela que existe um gap entre a perceção dos líderes e dos seus colaboradores no que diz respeito à liderança. Um estudo publicado pela Forbes revela que 77% dos líderes pensam que envolvem e motivam os seus colaboradores, mas 82% destes discorda. A pesquisa revela ainda que 65% admitem mesmo preferir que o chefe saísse em vez de um aumento de salário e que, anualmente, são gastos 46 mil milhões de dólares em programas de liderança.
Porque é que isto acontece? “Os líderes não perdem tempo suficiente a calçar os sapatos dos outros, por isso só têm a perspetiva deles próprios e não dos outros. Por exemplo, um CEO de uma grande companhia tem um lema: sempre que toma uma decisão, sempre que tem uma conversa com algum dos seus colaboradores finge que essa pessoa é a mãe, o pai, a filha, a irmã ou o irmão. Isso significa que tem um interesse genuíno nessa pessoa e, esse interesse, esse cuidado e essa preocupação é o que falta”, exemplifica.
Mindfulness: uma competência-chave para a liderança de futuro
É aqui que entra o mindfulness (treino mental que ensina as pessoas a lidar com os seus pensamentos e emoções, ajudando a manter o foco) como uma das competências-chave para uma liderança de futuro. “Se não conseguirmos estar focados no presente, nem nos conseguimos controlar, não lideramos segundo os nossos valores, não fazemos as coisas certas”, constata Rasmus Hougaard, destacando o aumento positivo do ensino de mindfulness nas escolas de negócio e MBAs e na formação de liderança em geral.
Os benefícios do mindfulness são conhecidos, tanto para o corpo como para a mente e também na liderança. O mindfulness potencia um maior equilíbrio da vida pessoal e profissional, a melhoria da performance profissional, uma maior satisfação profissional, colaboração, criatividade e foco.
Na sessão, Rasmus Hougaard mencionou alguns exemplos de bons resultados que foram alcançados através da implementação do mindfulness. A Microsoft tem um problema massivo de foco e, graças à implementação de programas, registou-se um aumento do foco em 36%, enquanto a Carlsberg depara-se com o problema do tempo prolongado em reuniões e, através do mindfulness, houve uma redução em 35%, exemplificou o investigador.
A Accenture, por exemplo, assumiu há 3 anos o compromisso de se tornar a maior organização “verdadeiramente humana” a nível mundial e, por isso, mudou radicalmente as questões relacionadas com a liderança. “O que eles perceberam é que apesar dos vários programas de liderança, os líderes aprendiam, mas depois voltavam para a o dia-a-dia e esqueciam-se de tudo outra vez. Por isso, nós ajudamos a trazer o mindfulness para todos os programas de liderança para fazer com que conseguissem estar concentrados no que aprenderam e na forma como aplicaram o que aprenderam na vida real. Por isso, o mindfulness tornou-se num facilitador basicamente para uma mudança de cultura em massa em organizações de grande dimensão”, continuou.
“A liderança falha, muitas vezes, porque os líderes não têm atenção ao contexto cultural e não têm empatia com os colaboradores das equipas”
Será que as empresas já adotam o mindfulness nos seus programas de formação em liderança? “Na América, diria que 80% das empresas fazem mindfulness com os líderes. Na Europa, anda à volta dos 50%. Na Europa do Sul deve ser 10%, mas acredito que vá mudar”, sustenta.
Os dados publicados no livro “The Mind of a Leader” revelam que apesar de 96% gostarem de ser mais “mindful”, 73% sentem-se unmindful a maior parte do tempo e, como resultado disso, 65% admitem que falham muitas vezes as tarefas e 67% afirmam que a mente está confusa. 47% dos líderes reconhecem mesmo que têm caraterísticas de falta de atenção.
Para que as organizações consigam resolver esta crise de liderança têm de colocar as pessoas no centro das suas estratégias e liderar com base em três qualidades mentais: "mindfulness", "selflessness" e “compaixão”. O conceito de "selflessness" está relacionado com a liderança centrada no líder, que toma decisões com base em impulsos egoístas e não consegue, por isso, ver o todo. O autor do livro explica que a liderança autocentrada no ego do líder, que fica numa bolha, coloca vários problemas: torna-o vulnerável às críticas e à manipulação, corrompe o comportamento, restringe a sua visão e coloca-o numa bolha. A liderança orientada para os outros é mais bem-sucedida porque potencia um maior envolvimento e sentimento de pertença, beneficia o comportamento em equipa e o sentido de reconhecimento e inovação.
No que diz respeito ao terceiro conceito, a “compaixão”, quando está enraizada na cultura das organizações e na liderança potencia ligações mais fortes entre os colaboradores, a melhoria na colaboração, uma maior confiança, maior sentido de lealdade e menor rotatividade dos colaboradores. A “compaixão” no contexto empresarial está relacionada com a preocupação com o bem-estar dos colaboradores, para que se sintam valorizados, ajam mais pelo bem-comum e tenham orgulho da organização da qual fazem parte.
Questionado sobre o facto de as características de um líder serem inatas ou poderem ser ensinadas, Rasmus acredita que a liderança pode ser aprendida. “Toda a gente pode melhorar, mas nem toda a gente vai ser excelente”, sustenta. A liderança falha, muitas vezes, porque os líderes não têm em atenção o contexto cultural e não têm empatia com os colaboradores das equipas o que coloca o problema acrescido da retenção de talento.
Quanto aos conselhos para os atuais ou futuros líderes, há uma regra de ouro: dormir, dormir, dormir. “Na nossa pesquisa, verificámos que os líderes bem-sucedidos dormem substancialmente mais do que os outros, têm uma grande disciplina ao longo da sua carreira para dormirem todas as noites e isso permite que quando estão no trabalho sejam extremamente focados”.
O segundo conselho é manter o foco. “Vimos claramente que há uma relação direta entre as pessoas focadas e a rapidez com que conseguem alcançar bons resultados nas organizações. Estamos num período económico em que o foco e as competências humanas são importantes. E como conseguir isso? Evitando o multitasking”, constata o autor do livro.