São várias as dúvidas que existem sobre a saída do Reino Unido da União Europeia. Ainda ninguém sabe, com certeza, quais serão as repercussões dessa saída. Procuramos saber o que pensam sobre este assunto alguns portugueses a residir no Reino Unido e que trabalham em diferentes áreas de atividade. Em comum apenas uma ideia: “ninguém sabe bem o que vai acontecer”.
Comecemos pelo início, o resultado do referendo, a 23 de junho de 2016 e as consequências diretas - David Cameron, primeiro-ministro britânico, pediu a demissão às primeiras horas da manhã seguinte. A libra atingiu mínimos de trinta anos, de acordo com dados da Bloomberg. Todas as economias sentiram as ondas de choque deste resultado. Mas 9 meses depois, o que mudou? E o que está a mudar na vida dos portugueses a residir no Reino Unido?
De acordo com Maria Nunes, Assistant Manager numa empresa de fast food, licenciada em Filosofia, “na altura do referendo notou-se um certo choque nas pessoas - vivo em Londres, onde grande parte da população é estrangeira. Eu trabalho na City, onde há grande investimento estrangeiro e acho que ninguém esperava que o SIM ganhasse”.
Maria adianta “na prática, ainda nada mudou. O tempo foi passando, como se as pessoas não pensassem muito no resultado. Mas de há uns meses para cá começo a notar uma certa apreensão, no sentido em que empresas estrangeiras ponderam sair do Reino Unido. Pessoalmente, não acho que vá fazer diferença. Toda a gente acredita que se chegue a um certo acordo”. E acrescenta que isto “não é um assunto que eu note ser debatido nas mesas de café. Sabes, os meus clientes são todos gente da área das Finanças. Muitas vezes têm reuniões informais na minha loja. E não se fala muito disso. Há imensos indianos a trabalhar no setor bancário, por exemplo, e não os noto especialmente preocupados”.
A opção pelo Brexit foi “cultural”
Para Maria Nunes o resultado da votação foi o reflexo de um certo “preconceito com os imigrantes”. Basicamente foram cidades, “fora de Londres”, e que votaram sem “pensar muito bem como ficariam as coisas depois. O Reino Unido tem um estado social que funciona muito bem. Dão subsídios para tudo. E há muitos imigrantes a aproveitarem-se disso. E acho que todos esses benefícios criam uma classe de sanguessugas estrangeiras e incita ao preconceito”.
E a nível financeiro? Maria Nunes não tem dúvidas que “as repercussões no setor financeiro serão mais sérias, claro. Mas também mais lentas, parece-me. Cabe ao governo controlar a saída e chegar a acordos”.
“A verdade é que nada mudou na política da minha empresa. Tem uma larga percentagem de empregados estrangeiros. Isto do Brexit tem um problema, sobretudo no interior, onde as pessoas são mais conservadoras”, salienta.
A perspetiva a Norte
“Chesterfield votou maioritariamente pela saída. Pode parecer a perpetuação de um estereótipo, mas a cidade tem origens na indústria mineira e uma população com um nível de formação relativamente baixo. Ao contrário de outras localidades, Chesterfield não é um grande polo de imigração, pelo que qualquer influência que esta possa ter tido no resultado, dificilmente se deveu a problemas de integração na comunidade local”, dizem Clara Frias, Technical Lead na AMRC with Boeing e Miguel Moreira, Manufacturing Engineer na Meggitt Polymers and Composites.
No entanto, os resultados em Chesterfield representam algo bastante notório na sociedade do Reino Unido - “um desconhecimento generalizado do que é a União Europeia e daquilo de que realmente se estão a afastar. Junta-se a isto uma ideia desatualizada do do Reino Unido no panorama político-económico mundial e uma perceção errónea de que o Brexit é tão falado lá fora como por cá quando, na realidade, aqui não passa de uma nota de rodapé”.
A nível económico, “o peso do Brexit ainda não se sente, mas não temos a menor dúvida que as dificuldades virão. Substituir o mercado para onde vão mais de metade das exportações por outras alternativas ou manter acesso a esse mercado com taxas vai ter um impacto duradouro nas empresas e nos cidadãos. Os vários acordos de comércio livre que a primeira ministra Theresa May quer fazer com países da Commonwealth virão sempre com contrapartidas que poderão não ser do agrado de alguns setores. A título de exemplo, a Índia está disposta a fazer acordos, desde que sejam reduzidas as restrições a estudantes e trabalhadores indianos que queiram permanecer no Reino Unido".
“A título pessoal, sentimos alguma incerteza quanto ao futuro, mas estamos relativamente tranquilos. O Reino Unido tem uma grande escassez de pessoal com as nossas habilitações e continuamos a ter bastantes ofertas a nível de emprego. Ambos trabalhamos em empresas que valorizam a multiculturalidade e que imediatamente se prontificaram a apoiar os colaboradores estrangeiros que assim o necessitem. Mesmo em alturas de dificuldade, a manufatura será sempre uma das áreas de investimento e as nossas carreiras em engenharia serão importantes para levar o país para a frente”.
Equílibrio e cooperação são cruciais
Independentemente do que possa vir a acontecer, o que realmente importa é que as pessoas estejam bem, as empresas equilibradas e a economia saudável e a prosperar. Aliás, essa sempre foi a ideia da União Europeia: todos juntos, em cooperação e sempre a crescer.
Um ideal que está, segundo David Reis, fragilizado. Web Developer, David não tem dúvidas em afirmar “construímos o nosso futuro neste país. Mas agora as nossas vidas estão em pausa porque o futuro é incerto. Eu parei todos os investimentos e tenho de economizar para o futuro porque isto está uma incógnita”.
E a sua cara-metade, Lúcia Nunes, Social Media & Media Researcher Analyst, complementa “os ingleses estão a pensar nas suas próprias posições em vez das necessidades do país. (...) os preços dos produtos vão aumentar. Aliás, já aumentaram. Acho que a economia vai piorar muito com esta inflação toda. Para já paga a working class. (...) Não acredito no futuro do Reino Unido sem a União Europeia”.
Para quem tem dupla nacionalidade, como o Benjamin, filho de Lúcia e David, o Brexit não levanta qualquer tipo de preocupação. “Ele nasceu cá, e tanto eu como o David somos um casal a residir há mais de 5 anos no Reino Unido e sempre com trabalhos remunerados, por isso cumprimos com todos os critérios de atribuição de dupla nacionalidade. Às vezes até nos apetecia regressar a Portugal. Talvez um dia. E pelo que vemos as coisas estão a melhorar. Cada vez mais se investe em Portugal. E isso é sempre bom”, rematam.