Em entrevista dada recentemente ao Diário de Notícias, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior salientou o grande aumento da despesa em investigação nos últimos cinco anos, o que a levou a atingir 1,6% do PIB em 2020. É, sem dúvida, um marco significativo quando comparado com o que se vinha registando, embora se deva também recordar que se trata de uma percentagem idêntica à verificada em 2009.
Também se deve mencionar que a Estratégia de Inovação aprovada em Conselho de Ministros em março 2018 previa que o investimento em I&D ascendesse a 1,8% do PIB em 2020. Por outro lado, quando comparado com a média da União Europeia, que se situa na casa dos 2,2%, verifica-se que o esforço que Portugal fez em investigação no ano passado não foi afinal tão significativo quanto desejável. Isto sem menosprezar o efeito da pandemia que, há que reconhecer, desacelerou a atividade científica em diversas áreas.
Ao contrário do que muita gente pensa, o principal esforço em termos de investigação é feito pelas empresas. Na realidade, de um total de 3,2 mil milhões de euros investidos no ano passado em I&D, 57% vem do lado empresarial. O ensino superior é responsável por 36%, cabendo o restante ao próprio Estado e a instituições privadas sem fins lucrativos.
Neste contexto, o grande desafio das universidades prende-se com a valorização do conhecimento científico que geram. Para isso, devem adotar políticas efetivas destinadas a transformar conhecimento em soluções úteis que estejam na base de ganhos de eficiência ou da diferenciação de produtos e serviços que potenciem a competitividade da economia.
Esse processo de transformação (e não de mera transferência de conhecimento como muitas vezes se afirma) pode efetivar-se por três vias.
Em primeiro lugar, pela proteção e comercialização da propriedade intelectual, designadamente patentes. Depois, pelo desenvolvimento de projetos de investigação aplicada assentes em parcerias envolvendo universidades e empresas. E, em terceiro lugar, pela promoção do surgimento de spin-offs de base universitária, mormente a partir de incubadoras e parques de ciência e tecnologia.
Se é certo que os mecanismos estão bem identificados - havendo, aliás, excelentes exemplos de sucesso no meio científico e tecnológico português - a verdade é que temos de ir bastante mais além, ultrapassando as barreiras e dificuldades que ainda persistem.
O principal obstáculo reside na diferença de cultura organizacional existente entre o meio académico e o mundo empresarial. Só quando tivermos universidades com um espírito mais empresarial e empresas com um mindset mais aberto à ciência é que será efetivamente possível tirar o desejável partido de todo o conhecimento científico gerado no nosso país.
Se é certo que os empresários e gestores têm de mudar a sua mentalidade, não é menos verdade que do lado das universidades muita coisa terá também de mudar. Para que se tornem mais empreendedoras, é necessário alterar o seu modelo de governação, o estatuto da carreira docente, a política de financiamento, o modelo pedagógico e a estratégia de internacionalização.
Enquanto tais mudanças não ocorreram, muito do conhecimento científico ficará a "ganhar bolor" numa qualquer prateleira (física ou digital) e Portugal continuará a dar-se ao luxo de não tirar partido, em termos de criação de riqueza, de uma fatia demasiado grande do investimento que nele realiza.
Carlos Brito, docente convidado da Porto Business School e codiretor da Pós-Graduação em Maketing Management.
Artigo originalmente publicado no Dinheiro Vivo a 25.09.2021.