Costuma afirmar-se que a inflação pode funcionar como um imposto oculto em virtude dos impactos que eventualmente venha a ter em termos de perda do poder de compra, bem como da carga fiscal acrescida que possa vir a originar, em especial ao nível dos impostos indiretos.
Neste momento começa a haver indícios de uma pressão sobre os preços. Na União Europeia a taxa de inflação em setembro situou-se nos 3,6%, o valor mais alto da última década, bem acima dos 2%, a meta estabelecida pelo Banco Central Europeu nesta matéria. O aumento do preço da energia, para além da pressão causada pela pandemia no preço dos bens em geral, tem contribuído para este fenómeno.
Em Portugal a inflação ainda não se faz sentir de forma significativa uma vez que a taxa de variação homóloga do índice de preços no consumidor foi de 1,5% em setembro, o que representa o segundo valor mais baixo da Zona Euro. Há, contudo, nuvens que se começam a adensar no horizonte. A evolução dos preços em parceiros comerciais importantes como Espanha e Alemanha - com taxas de inflação de 3,3% e 3,9%, respetivamente - não ajuda a que o nosso futuro seja risonho neste domínio. Por outro lado, os próprios preços na produção industrial em Portugal conheceram, em setembro, uma variação homóloga de 13,3%, o que não deve deixar ninguém com responsabilidades descansado.
É neste cenário de tendência inflacionista que o Governo elaborou uma proposta de Orçamento do Estado assente no pressuposto de que a inflação seria de 0,9% em 2022.
Como tudo leva a crer que ela se venha a situar bem acima dessa taxa, provavelmente iremos estar sujeitos, durante o próximo ano, a um imposto fantasma.
Compreende-se que assim seja. Quando António Costa tomou a opção de, desde que é primeiro-ministro, viabilizar os orçamentos à esquerda, sabia com quem estava a lidar e quais as consequências da sua decisão. Teria de negociar com partidos que são contra a "obsessão pelas contas certas" - como se um défice de 3,2% alguma vez pudesse ser representativo de "contas certas" (isto sem deixar de reconhecer que vivemos uma situação absolutamente extraordinária que requer medidas também extraordinárias); e, pior ainda, como se um único ano (2019) de superavit das contas do Estado em quase meio século de democracia pudesse ser considerado "obsessão".
Não, caro leitor, não é o Governo que tem a obsessão pelas contas certas; são os partidos à esquerda do PS que têm a "obsessão pelas contas erradas". E fazem-no com a sobranceria de exigirem que haja alguém (leia-se, alguma instituição estrangeira) que sustente os défices crónicos das contas públicas portuguesas. Por isso, e para precaver essa tendência para o défice que tanto PCP como Bloco apresentam, o Governo já inscreveu no OE esse imposto oculto que decorre do facto de a taxa de inflação vir a ser, provavelmente, bem superior à prevista no referido documento.
Há, todavia, que recordar que esta não é a primeira linha fantasma, pois já havia uma outra: a das cativações. Só que, comunistas e bloquistas (assim como o PAN) já aprenderam o "truque" e declararam que não vão na conversa, exigindo agora acordos escritos sobre matérias que extravasam claramente os limites do Orçamento do Estado. O primeiro-ministro poderia argumentar, com razão, que se trata de chantagem - mas prefere esperar que Isabel Camarinha, Mário Nogueira e outros dirigentes sindicais não sejam, por ora, demasiado reivindicativos. Porque desses, como não votam na Assembleia da República, irá tratar mais tarde e, entretanto, ganha tempo.
Por tudo isto, o caminho que leva à aprovação do Orçamento do Estado é bem volátil, incerto, complexo e ambíguo. Costa já demonstrou ser mestre neste tipo de situações. Continuará a ter a sua estrelinha protetora ou irá o fantasma (mais um) de Paulo Rangel influenciar o desenrolar do jogo? Para um lado ou para o outro... pois nunca se sabe como a "atração pelo abismo" poderá afetar os parceiros da geringonça.
Carlos Brito, docente convidado da Porto Business School e codiretor da Pós-Graduação em Maketing Management.
Artigo originalmente publicado no Dinheiro Vivo a 23.10.2021