Fazem (Dunning-Kruger) ainda uma analogia interessante, a que chamam de “anosognosia da vida quotidiana” ao comparar o comportamento destes indivíduos ao dos que têm efetivamente uma deficiência física evidente (como lesões cerebrais) mas desconhecem a existência da mesma. Ou seja, os estúpidos não sabem que o são. Ou não querem acreditar que o são. Um cretino vai ser sempre um cretino pela sua absoluta incapacidade de autoanálise.
Vi um burocrata avançar com os atacadores soltos, transportando uma cadeira e, de sobrolho franzido, colocou-a no meio do escritório em vários sítios até ela ficar na melhor posição. Depois com uma expressão solene e usando as duas mãos ergueu o pé direito e colocou-o em cima da cadeira. Olhou em volta satisfeito com este mero triunfo. De seguida numa manobra estranha apertou o atacador do pé esquerdo que estava assente no chão. Imensamente satisfeito com o resultado, trocou de perna e fez a operação inversa. Ao terminar examinou minuciosamente os seus sapatos, aprovou-se a si próprio e lentamente voltou a colocar a cadeira no sítio.
Que rábula tão perfeita e cheia de sentidos: manobras complicadíssimas para o fim mais simples; estupidez; autossatisfação; insensibilidade à opinião dos outros; repetição dos mesmos erros de sempre.
A estupidez humana é uma ciência e deve ser estudada na sua plenitude, tal como se estudam as outras ciências. Partilha da existência de variáveis complexas dos elementos que a compõem – ditos seres humanos racionais – e de relações de causa-efeito nem sempre óbvias.
Difere no recurso à lógica, no exercício de estudo e no progresso natural. A estupidez humana é a principal barreira, que impede a evolução. Justifica, muitas vezes, precisamente o contrário – o retrocesso.
Não é difícil identificar um estúpido crónico uma vez que este é dotado de traços marcantes que saltam à vista:
1 - Culpam os outros pelos seus próprios erros;
2 - Acham sempre que estão certos;
3 - Reagem a conflitos agressivamente e incitam, mais ou menos diretamente, a violência;
4 - Ignoram as necessidades e os sentimentos dos outros;
5 - Pensam que são melhores que toda a gente;
6 - Complicam o que é simples;
7 - Concluem demasiado com muito pouca informação, são preconceituosos.
Quando nos deparamos com alguém assim, não é raro questionarmo-nos retoricamente sobre os motivos por detrás de determinadas atitudes ou mesmo sobre a origem de tamanha estupidez. Estará relacionada com o meio onde crescemos e / ou vivemos? Com a educação a que temos acesso? Com os exemplos que temos em casa ou no nosso círculo de influência?
Apesar de continuar a reiterar que nos encontramos no campo da ciência, ainda não foi descoberta a origem da estupidez. Pode estar mais ou menos diretamente relacionada com o QI de determinado indivíduo, mas, aquilo a que frequentemente se assiste é que, quanto mais cultos somos, melhor sabemos defender as nossas burrices. Já dizia o poeta popular algarvio, António Aleixo (que de estúpido não tinha nada), que “Há tantos burros mandando em homens de inteligência, que, às vezes, fico pensando que a burrice é uma ciência.”
Também é sabido que o argumento da experiência própria não valida a inteligência. Há lugar para muita estupidez na experiência porque, os estúpidos, não são humildes para aprender com a repetição dos atos, nem tão pouco de conseguir evoluir com isso. Estão tão fechados na sua bolha de razão, conhecimento próprio e superioridade, que não cedem lugar ao novo, ao que os outros podem transmitir. Pessoas que falam "por experiência própria, pelo visto ainda não tem experiência suficiente para se calarem.
Para um estúpido, importam questões que para os outros são irrelevantes. É aquele tipo de indivíduo que tem atitudes incompreensíveis, em situações como a descrita abaixo:
Um CEO reúne todos os colaboradores e comunica que, naquele ano, só irão trabalhar durante 4 meses, mas vão receber o ordenado por inteiro relativo aos 14 meses e têm encomendas garantidas nos próximos anos. Como identificar o colaborador estúpido? A maioria aplaude e agradece, mas o estúpido pergunta: “Então e as férias?”
À maioria, soa a uma piada saída de um episódio dos Monty Phyton. Para o próprio, é uma questão válida e até inquietante porque o estúpido, que está afogado no seu próprio ego e só consegue focar em questões que estão diretamente relacionadas consigo. Não é capaz de perceber mais além, de pensar no bem comum.
É o chamado efeito de Dunning – Kruger – um fenómeno que leva indivíduos com pouco conhecimento sobre um determinado tema, a pensar que são especialistas no mesmo. Aqui, é a própria incompetência ou, como se diz na gíria, burrice, que leva a que estes indivíduos sejam incapazes de reconhecer a sua estupidez.
Quando pontualmente confrontados com a falta de competência real para concretizar determinada tarefa, a sua autoconfiança é seriamente afetada e pode resultar no efeito contrário: o de assumir uma noção de inferioridade e incapacidade exagerada. Vitimizam-se.
Fazem (Dunning-Kruger) ainda uma analogia interessante, a que chamam de “anosognosia da vida quotidiana” ao comparar o comportamento destes indivíduos ao dos que têm efetivamente uma deficiência física evidente (como lesões cerebrais) mas desconhecem a existência da mesma. Ou seja, os estúpidos não sabem que o são. Ou não querem acreditar que o são. Um cretino vai ser sempre um cretino pela sua absoluta incapacidade de autoanálise.
Mas afinal, como é possível medir o nível de estupidez de cada um? Há efetivamente testes de QI que são importantes neste contexto, mas, na dúvida, considere as 7 características mencionadas acima e transforme-as em dicas para melhorar o seu nível de inteligência (ou reduzir o nível de estupidez, como preferir):
- Ser responsável – independentemente do seu grau responsabilidade num determinado trabalho ou tarefa, assuma o que corre mal, do mesmo modo que assume o que corre bem. Não há que ter medo de admitir a falha, nem devemos culpar os outros pelos nossos erros. Pelo contrário, encare o erro como uma oportunidade de crescimento e melhoramento. Este tipo de atitude responsável e corajosa é rapidamente reconhecida pelos pares e confere-lhe, acima de tudo, paz, bem-estar e tranquilidade com a sua própria consciência.
- Explorar outras opiniões – uma pessoa inteligente percebe que, certas coisas, podem estar certas ou erradas dependendo da perspetiva com que são encaradas. Isto representa uma mente aberta, ágil e que se consegue adaptar a novas informações.
- Assumir maior autocontrolo emocional – indivíduos que são inteligentes sabem controlar as suas atitudes e moderar as suas opiniões. Quem não o é, tende a ser agressivo quando perde o controlo dos seus argumentos ou sente que os mesmos estão a perder a sua validade. A violência, nestes casos, torna-se a única forma de desviar a atenção da argumentação válida e a única saída para impor um determinado ponto de vista.
- Admitir a sensibilidade – não é preciso cair no campo da lamechice, mas as pessoas inteligentes percebem que não se chega a lado nenhum sozinho e que a solidariedade e a compreensão mútua, é o caminho para a evolução da sociedade. Estar atento às necessidades dos outros e contribuir para o bem-estar comum, não é mais que assumir que fazemos parte de uma rede que dá e recebe e de compreender que as pessoas valem pelo que nos fazem sentir.
- Ser humilde – apliquem a lei de Gall que diz que sistemas complexos que funcionam bem, começaram sempre por ser simples, e se pelo contrário, se começar de forma complexa, o sistema nunca vai conseguir ser simples.
- Ter begginer´s mind – ganhar mundo e perceber de uma vez por todas que há sempre muito mais do que o que vemos à superfície. Não somos A ou B, somos o abecedário completo.
[artigo de opinião publicado, originalmente, no jornal Expresso, a 28.01.2021]