Em 2020 a crise da pandemia da Covid-19, pela sua dimensão, duração, ritmo da infeção e medidas restritivas adotadas, revelou-se um desafio e uma oportunidade para o comércio internacional.
Após uma série de alterações, entre as quais, novos modelos de trabalho e formas de comunicação e entretenimento, passando pelas compras online, nem a nossa vida nem o comércio internacional voltarão a ser os mesmos.
Um ano tão atípico como 2020 trouxe-nos mudanças, às quais tivemos de nos adaptar. Registou-se uma diminuição de mais de 90% da oferta de transporte aéreo e o aumento dos fretes de transporte internacional e do preço dos contentores.
Vivemos tempos de insegurança e incerteza que conduziram as empresas a um processo de adaptação a um novo paradigma, abrindo horizontes para novas formas de evolução.
Ana Teresa Lehmann, Diretora do Executive Master em International Business e Especialista em Comércio Internacional, participou no MBA Networking Event promovido pela Porto Business School e pelo IESIDE Business Institute no dia 24 de setembro, onde falou sobre o rumo, os desafios e oportunidades do comércio internacional num mundo cada vez mais digital.
Ana Teresa Lehmann apresentou quatro grandes tendências-chave que vão continuar a impactar o rumo do comércio internacional perante a transformação digital à qual ainda nos estamos a ajustar.
1. Geopolítica
O aumento da relevância das economias emergentes, a ascensão de políticas comerciais e de investimento protecionistas e, ainda, questões relacionadas com a segurança nacional e soberania impactam o comércio internacional.
Um fator de peso no rumo do comércio internacional recai nas mudanças de poder nos domínios económico e tecnológico. A infraestrutura oceânica dos conectores de internet, considerada crítica, é propriedade dos gigantes tecnológicos, como a Google. As fronteiras territoriais estão a perder relevância. Grande parte dos centros de dados de grande escala está localizada nos Estados Unidos. Compreendemos, assim, que não coexistimos num conflito tradicional, mas sim, num conflito tecnológico.
O conceito de geopolítica tradicional, no qual os Estados centralizam o controlo e poder de decisão já não é suficiente, pois o digital traz um novo tipo de espaço económico e um novo tipo de mercado. E com o surgimento de novos agentes privados, a extraterritorialidade ganha terreno, definindo modelos de negócio.
2. De-Globalização
A globalização, caracterizada por fluxos crescentes de comércio, investimento, movimentação de talentos e intercâmbio cultural, foi conquistando cada vez mais relevância até à Crise Financeira Global, em 2007. Neste contexto de globalização de produção e inovação, as economias emergentes conquistaram uma relevância crescente.
No cenário pós crise financeira global tem-se verificado uma desaceleração da integração da economia global. O comércio e o investimento têm crescido a um ritmo mais lento. Além disso, novos conflitos comerciais entre potências e questões críticas, como a sustentabilidade e as alterações climáticas têm sido, e continuarão a ser, grandes desafios para o comércio internacional.
3. Sustentabilidade
Nos últimos anos temos assistido a uma trajetória vertiginosa de degradação ambiental e esgotamento de recursos consequentes da ação humana. “Enquanto civilização fomos demasiado longe”, destacou Ana Teresa Lehmann.
A vivência da pandemia Covid-19 e o receio de futuras pandemias conduziu a uma crescente consciencialização sobre a necessidade de mudar os nossos comportamentos, nomeadamente padrões de produção e consumo mais sustentáveis. “Num cenário de pandemia necessitamos de reforçar a cooperação”, afirmou.
A Indústria 4.0, orientada para a otimização dos recursos e para a economia circular, e o novo paradigma tecno-económico oferecem uma oportunidade para potenciar a sustentabilidade.
As circunstâncias fomentadas pela pandemia exigem modelos e estratégias de negócios distintos e mais sustentáveis integrados numa visão holística (económica, social e ambiental). Por exemplo, é importante adotar mais cadeias de abastecimentos regionais em detrimento de cadeias de abastecimentos a longa distância, mitigando os riscos de interrupção do fornecimento e o impacto ambiental. A Covid-19 veio acelerar estas dinâmicas.
A pandemia surgiu numa época de transformações significativas para a economia global: tecno-económicas (digitalização); geopolíticas (retração na intensidade da globalização); e sociais (consciência do imperativo da sustentabilidade). Veio expor as fraquezas estruturais de países e empresas e a necessidade de cadeias de valor mais resilientes e próximas.
4. Inovação contemporânea
Hoje em dia a inovação é um fenómeno complexo, que converge diferentes stakeholders, tecnologias e tipos de conhecimento. Vivemos uma era de Inovação Aberta (Chesbrough, 2003) e Inovação do Utilizador, cada vez mais democrática (von Hippel, 1986, 2005).
Ninguém inova sozinho. São necessárias abordagens colaborativas e uma visão dos ecossistemas, que inclua a contribuição de uma nova geração de consumidores.
Este “Novo Consumidor” é vital no processo de inovação, pois pretende não só ser utilizador do bem ou serviço, mas também cocriador, e até coprodutor e co-distribuidor. Esse processo de inovação mais interativo, com um consumidor cada vez mais exigente, aumenta a necessidade de ter operações mais ágeis e mais próximas do utilizador.
Para onde caminha o comércio internacional num cenário pós-pandemia? Prevê-se, por exemplo, que o investimento na aceleração da digitalização continue e que o trabalho remoto e o e-commerce continuem a fazer parte do presente e futuro.