Eles são portuenses de gema. Não estão cá, mas vivem a cidade todos os dias através das redes sociais. Quando regressam em férias sentem a cidade e apercebem-se, melhor do que ninguém, das diferenças. E são algumas. Umas boas, outras nem por isso. No geral, acham que a cidade do Porto se levantou da timidez cinzenta que sempre a caracterizou para se dar a conhecer ao mundo, tal como é, na sua essência mais pura. Honesta. Descomprometida. Não querem que se perca a tradição que faz dela única e, dizem, não se torne num destino turístico da moda e muito gourmet. “Porque o Porto não é isso. É ser diferente. Tem tradições únicas". Não é por acaso que dizemos que “somos uma nação”.
Nesta edição da Newsletter da Porto Business School [dedicada ao Turismo], fomos tentar perceber como pessoas com ligações profundas ao Porto, olham para a atual situação da cidade, que cresce em termos turísticos e é reconhecida internacionalmente como o melhor destino europeu. Do Reino Unido até Hong Kong, sem esquecer o outro lado do Atlântico.
E começamos precisamente pela Big Apple. Irina Matos, cientista na The Rockefeller University, onde se dedica à investigação e tenta perceber como nascem as células estaminais adultas da pele, olha para este “boom” repentino do turismo no Porto “com bastante alegria. É bom ver o Porto cheio de vida, dinâmico e cosmopolita. É bom ver tantas pessoas de países diferentes a interessarem-se por nós e pela nossa cultura. O Porto acreditou, reagiu à crise e ao centralismo da capital. A cidade continua Invicta”.
Quem partilha da mesma opinião é Álvaro Monteiro, professor de esgrima em Hong Kong, que sente “um grande orgulho quando são noticiados os principais destinos europeus e o Porto aparece nas principais posições. Estando longe, é muito agradável dizer às pessoas que aquela é a minha cidade”.
Sobre os motivos que levaram a que a cidade se transformasse todos têm, em geral, a mesma opinião. Joana Magano, maquilhadora em Paris, na maior loja europeia de uma conceituada marca de cosméticos, acredita que os principais fatores “foram as companhias aéreas low cost e o marketing ”. Além disso refere que “no Porto tem-se acesso rápido às praias. Pode-se comer muito bem e barato, entre outras coisas. E há as pessoas. O portuense tem sempre um sorriso nos lábios, gosta de receber bem as pessoas, sejam da terra ou de fora. Quando vamos de férias queremos qualidade de vida ... e sermos mimados. E como o Porto nisso é único, quem lá vai só quer voltar”.
Já Miguel Malheiro, Marketing Manager a residir no Reino Unido, chama a atenção para uma série de acontecimentos. “É o resultado de uma alavancagem que começa com os agentes culturais locais através do Porto 2001, posteriormente ajudados por uma companhia de aviação de baixo custo, e eventos de massas como a Red Bull Air Race ou o NOS Primavera Sound, entre outras coisas mais que a cidade já tinha, como o Vinho do Porto, por exemplo”. E de certa forma, a crise económica.
Marlene Soares, bióloga e fotógrafa a residir no Luxemburgo, pensa “ironicamente, a crise económica que atingiu a Europa - e muito particularmente Portugal - foi o principal motor deste investimento no Turismo. Os habitantes usaram a sua criatividade e iniciativa para lutar contra as dificuldades. Começou de forma gradual, com mais oferta em termos de restaurantes, bares e cafés que trouxeram vida a zonas adormecidas da cidade. E o novo investimento importante na cultura, revitalizando tradições e zonas-chave da cidade, e a aposta da autarquia na divulgação da imagem da cidade”.
Saber gerir o hype
Para Álvaro Monteiro, o ingrediente é simples: “com hospitalidade. Mas creio que essa qualidade já temos por natureza”. Ou como refere Miguel Malheiro, “a cidade deverá tirar o máximo proveito a nível económico e cultural, sem ferir a perceção de como a cidade é vista a nível local, nacional e internacional. Perceção essa, sustentada numa identidade particular e estrutura física singular, que proporcionam uma experiência única aos visitantes e atribui qualidade de vida a quem a habita”.
“Com muita cautela e ponderação. Os preços estão de facto a aumentar e isso pode afastar as pessoas com menos poder de compra. Espero que consigamos resistir à tentação de lucrar desmesuradamente com o fluxo de pessoas na cidade. Espero que a oferta acompanhe o crescimento e que os habitantes continuem a ter o mesmo acesso garantido ao que sempre tiveram. Espero que haja regulação e fiscalização apertada no que respeita ao aumento das rendas e vendas de propriedade. Espero que sejam os habitantes do Porto os que mais lucrem com crescimento económico da cidade. Que continue a haver um investimento nas infra-estruturas da cidade. Que a cultura seja garantida e de fácil acesso a todos”, salienta Irina Matos.
O Porto turístico no futuro
Sobre se a cidade conseguirá manter o atual ritmo de crescimento, há os mais pragmáticos e os mais entusiastas. Marlene Soares pensa que se “está a atingir um pico em termos turísticos, mas nada impede de manter os níveis de atração elevados como é, de resto, o caso de muitas outras cidades. É necessário fazer um esforço por manter o turismo sustentável, em plena relação com a comunidade local e com as suas necessidades”.
Ou como diz Joana Magano, para quem “existirão sempre outras cidades a serem publicitadas e a estarem na moda. Isto é como em tudo na vida, um ciclo. Se o Porto fosse um ator de Hollywood diria que estaria no auge da sua carreira, mas haverá sempre uma novidade, uma nova estrela. E só temos de ver isto tudo com orgulho”.
Miguel Malheiro chama a atenção para o facto de “um hype, por definição, ser um período de tempo curto. Contudo, acredito que este movimento turístico deverá manter-se, com inevitáveis flutuações, mas em crescendo, dependendo também de fatores externos e do investimento constante na promoção da marca Porto junto dos agentes turísticos internacionais, assim como no investimento de eventos culturais, desportivos, entre outros, de dimensão adequada à cidade e com visibilidade internacional”.
Álvaro Monteiro não tem dúvidas, e acredita que a cidade “pode evoluir muito mais, desde que novas PMEs sejam apoiadas de uma forma simples. Sinto que a burocracia ainda é um grande entrave a quem quer desenvolver um negócio. Isto, a par de um investimento no policiamento em algumas zonas da cidade. Quem está de visita aprecia um sentimento de segurança na rua”, afirma.
Já Irina Matos deixa vir toda a sua paixão ao de cima: “Sim! O Porto já cresce há mais de 10 anos e nunca deixou de apaixonar os que por lá passam. Muitos ficam, outros irão voltar [para] sempre. O Porto é uma cidade única e nunca perderá o que tem de melhor: as pessoas, a garra, os bairros, a vida, o casario da Ribeira até à Foz, o rio, o mar, o cheiro, o sotaque, o sentido de comunidade inigualável, o S. João e a Francesinha. O resto, o resto serão adereços que se adaptarão às modas e que os portuenses conseguirão usar para resistir e persistir no mapa do turismo internacional”.