Vivemos hoje num contexto cultural e tecnológico onde os consumidores sabem (quase) tudo sobre uma marca, desde a sua origem, até onde e como os seus produtos e serviços são concebidos e vendidos.
Em consequência, as empresas são avaliadas pelos consumidores para além do seu propósito aparente, ao contrário do que acontecia num passado recente, antes das alterações produzidas na vida das pessoas pela revolução tecnológica e digital.
Há já alguns anos que começámos a ver acontecer a transferência de poder, das marcas e das empresas, para os clientes. Estas transformações alteraram os fundamentos do mercado e forçaram as empresas a mudar a direcção estratégica e a repensar os seus modelos operacionais: de modelos de desenvolvimento centrado no produto (“product development”) para modelos organizacionais centrados no cliente (“customer-centric”) e orientados para o desenvolvimento de clientes (“customer development”), através de um conhecimento profundo destes.
Já percebemos também que os clientes já não compram marcas, juntam-se às marcas! Permitem que elas façam parte da sua vida se, e só se, acrescentarem valor. Não estão focados nos produtos, mas sim no que estes significam – “se eu escolher este produto, o que é que isso faz de mim? O que muda para mim? Se eu escolher esta marca, o que posso fazer de forma diferente, melhor?”.
As marcas têm, por isso, de parar de interromper as pessoas enquanto elas fazem aquilo em que estão interessadas e passar a ser tão interessantes como todas essas coisas. O desafio que se lhes coloca é fazer com que as pessoas queiram gastar o seu tempo com a marca: o tempo é a nova moeda. É este o desafio que actualmente, mais que nunca, se coloca às marcas: o de conseguir que o consumidor se importe, responda e se relacione com elas e com os seus produtos. E tal só será possível se elas próprias tiverem uma história relevante, que faça sentido enquanto parte integrante da(s) história(s) das próprias pessoas.
O foco na experiência do cliente é disto um excelente exemplo, sendo cada vez mais um diferencial importante para as marcas e uma forma privilegiada de trabalhar significado e relevância. Os investimentos mundiais com tecnologias de “customer experience” tiveram um aumento de 7,9% em relação a 2018, totalizando 508 mil milhões de dólares (cerca de 460 mil milhões de euros) em 2019, de acordo com o “Worldwide Semiannual Customer Experience Spending Guide” da International Data Corporation (IDC).
Todos admitirão sem pensar duas vezes que “o cliente é o ativo mais importante do negócio”, que o “cliente é a razão de ser da empresa e da marca” e que “toda a empresa está organizada e orientada para responder às necessidades dos clientes”. Mas a investigação e a prática mostram-nos que, apesar de algumas mudanças, nem sempre existe uma concretização eficaz destas afirmações numa função, estratégia ou modelo de negócio.
Esta nova era exige que os gestores pensem e ajam de forma diferente; de formas por vezes estranhas, desconhecidas ou até (aparentemente) contra-intuitivas. E, honestamente, não é fácil.
O papel do CCO na liderança da Mudança
O cliente não é “propriedade” de nenhum departamento em particular, mas sim “partilhado” entre os vários sectores do negócio, sejam as operações, marketing, produto, IT ou outros. É por isso fundamental que o mais alto nível da organização seja representado por alguém capaz de quebrar os silos existentes e alinhar os objectivos da empresa com as necessidades do cliente. Esta pessoa deverá ser responsável por unificar todas as iniciativas com impacto no cliente que acontecem ao longo dos diferentes papéis e injectar uma nova forma de pensar e agir em toda a organização, canalizando toda a energia da mesma para a plena satisfação do cliente.
Como refere Charles Trevail, no artigo “It’s Time to Rethink the Chief Customer Officer Role” para a revista Ad Age, os clientes são o epicentro emocional do cérebro corporativo, e, através da sua criatividade, ideias e experiências, podem impulsionar a mudança, fundamental nos negócios e imperativa para o crescimento a longo prazo. Cabe ao CCO liderar e potenciar este movimento, garantindo que o cliente é projectado dentro da estrutura, dos processos e da cultura da empresa!
O título de Chief Customer Officer (CCO) é relativamente novo, mas cresce significativamente em popularidade. De acordo com o Chief Customer Officer Council, em 2003 havia menos de 20 pessoas no mundo com o título “obscuro” de Chief Customer Officer. Em 2014, 22% das empresas da “Fortune 100” e 10% das empresas da “Fortune 500” já tinham a função de CCO. Ainda segundo a mesma organização, existirão hoje mais de 500 Chief Customer Officers no mundo e talvez outras centenas mais com o mesmo papel, mas sem o título formal.
O CCO é, por isso, muito mais do que apenas o porta-voz corporativo do cliente e o defensor de experiências “omnichannel” perfeitas! Ele é um verdadeiro lobista, que traz e incorpora a voz do cliente para todos os projectos da empresa; é a autoridade final sobre tudo o que diz respeito aos clientes (actuais e futuros)!
No artigo pioneiro “The Rise of the Chief Customer Officer” de Paul Hagen para a Harvard Business Review o CCO é alguém com o conhecimento, poder e recursos para influenciar toda a empresa. Mesmo que as suas equipas sejam pequenas, a sua voz na equipa de gestão executiva significa que tem influência sobre a forma como a empresa prioriza e gasta os recursos. O seu foco não se resume apenas em resolver problemas – mas sim em acelerar o crescimento.
De acordo com o que referem Chris Davis, Alex Kazaks e Alfonso Pulido no artigo “Why Your Company Needs A Chief Customer Officer” para a Forbes, as responsabilidades do CCO podem variam por sector e dependem obviamente da situação de uma dada organização. Contudo, podemos reunir uma série de condições sine qua non para a função.
Como se tornar um (bom) CCO?
1. Ser obsessivamente centrado no cliente e contagiar toda a empresa com essa obsessão.
O CCO dá vida ao cliente, ajuda a criar um entendimento comum do que realmente significa ser centrado no cliente e as transformações que precisam de ser feitas para isso acontecer. Em consequência disto, o cliente torna-se o centro de todas as tarefas, quotidianas, operacionais e estratégicas da empresa. Para isso, potencia a interacção com o cliente, mostra constantemente evidências e explica por que o cliente é importante. Mais do que apresentar os clientes como números sem rosto numa folha de cálculo ou como segmentos de clientes generalistas e simplistas, o CCO traz detalhe e profundidade aos clientes e às suas necessidades.
Ser obsessivamente centrado no cliente significa ter toda a organização a actuar em função de pessoas que se conhece em profundidade, ter toda a organização a falar de forma transversal a mesma linguagem “cliente”, usando um conjunto definições de base, de ferramentas, processos e mecanismos de formação e envolvimento.
2. Ser obsessivamente centrado no cliente na gestão de informação, na sistematização de conhecimento e na partilha de insights.
O CCO deve ter a capacidade de unir a informação dispersa do cliente numa visão “única” de cada cliente. Ter uma visão de 360 graus do cliente abre o caminho para medir a satisfação do cliente em todos os pontos de contacto ao longo de toda a jornada do cliente.
Esta gestão de conhecimento implica angariar e sistematizar informação sobre o consumidor e sobre o mercado (incluindo a concorrência). O CCO é aquele que é capaz de compreender os clientes melhor do que qualquer outra pessoa dentro da organização, e até de compreender os clientes melhor do que estes se compreendem a si próprios. É, inclusive, aquele que é capaz de prever o que os clientes vão precisar, ainda antes dos próprios o dizerem, e materializá-lo numa solução, num produto ou serviço, que agrega para além de um benefício funcional, um benefício emocional.
3. Ser obsessivamente centrado no desenvolvimento dos clientes e no seu envolvimento na criação de valor.
O Desenvolvimento de Clientes é uma metodologia simples e um processo para nos obrigar a sair do “escritório” para falar com clientes (actuais e futuros), com o mercado – antes de começar a construir qualquer produto ou serviço. Dentro do “escritório” há apenas as nossas crenças. “Lá fora”, no mercado, é onde estão as necessidades, as expectativas… a vida. O trabalho do CCO é levar a empresa a testar a suas crenças acerca do cliente, as suas suposições sobre o mercado, o mais rapidamente possível. É provável que ainda hoje descubra quanto tempo e recursos se perdeu, quanto suor e lágrimas, na construção das coisas erradas para as pessoas erradas.
A co-criação com os clientes pode, por isso, desbloquear novas fontes de valor. Os consumidores estão muitas vezes ansiosos por interagir com as marcas que admiram e poder participar. Cabe ao CCO envolver os clientes no pipeline de inovação, no processo criativo e no desenvolvimento de novas soluções, testando com eles novos protótipos e construindo comunidades onde os clientes se ajudam mutuamente.
4. Ser obsessivamente centrado nos resultados conseguidos junto do cliente.
Como avaliar a eficácia da função? A resposta mais simples: vendas! Ou dito de forma mais complexa, pela capacidade do CCO em criar, em potenciar oportunidades de crescimento relevante na forma como corresponde com eficácia às expectativas (actuais e futuras) dos clientes.
“A empresa precisa mesmo de um CCO?” “Qual o benefício real para a organização e para os clientes?” E, acima de tudo, “a organização está preparada para integrar um CCO?”, “Os stakeholders são capazes de dar e legitimar o poder que o CCO precisa para conseguir liderar a mudança?” Todas estas são perguntas que precisam de ser respondidas previamente, para que não se crie uma posição “oca” e sem um valor real. Por isso, entre “Chief Customer Officer”, “Chief Client Officer”, “Customer Experience Officer”, “Chief Global Customer”… o “detalhe” dos títulos não é importante. O que é importante é que, no final do dia, todos reconhecem a intenção do título e o poder que ele dá ao seu portador para agir no melhor interesse dos clientes (e, consequentemente, da empresa).
Em PBS Experts damos voz aos nossos especialistas para que sejam eles a desenhar o caminho do futuro. Gustavo Marques Mendes é professor convidado da Porto Business School e diretor de Marketing da New Coffee.