Estamos no olho do furacão. Todas as análises e projeções que possam ser feitas neste momento serão sempre enviesadas pelo facto de estarmos a viver uma situação completamente nova. Não temos a informação histórica necessária e objetiva para determinarmos com elevado grau de certeza aquilo que devemos ou não devemos fazer.
Com as nossas lentes, ainda com muito pouca evidência factual devido aos poucos datapoints fiáveis disponíveis, estamos a tentar analisar as tendências e os impactos dos efeitos da pandemia na vida de todos nós e nas dinâmicas económicas e empresariais.
Só há economia com pessoas, pelo que a prioridade teve de ser a proteção da população contra um inimigo desconhecido. As decisões de defesa da Saúde Pública, como o confinamento, com o objectivo de reduzir a pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde, foram tomadas, dando prioridade à vida e às pessoas. Decisões acertadas.
Há quem diga que estas medidas são excessivas. Eu defendo que, quando se trata de Saúde Pública e da saúde das pessoas, mais vale agir por excesso, mesmo com os riscos enormes que as medidas associadas possam representar para a economia, do que por defeito, causando a perda de vidas humanas. Esta foi a fase de gerir o presente e a emergência, com pouca informação e com muito risco. Esperemos, daqui a uns meses, numa análise já com dados objetivos, poder concluir que estas medidas foram essenciais para vencermos esta guerra. Mas, se os dados nessa altura demonstrarem que foram por excesso, já nada poderemos fazer, mas poderemos sempre dizer que eram as medidas acertadas com a informação disponível na altura.
Entrámos já numa segunda fase. A fase de projetar e de preparar o futuro póspandemia. Com mais dúvidas do que certezas e ainda com pouca informação. Na certeza de que existirão mudanças, é ainda prematuro percebermos a intensidade, a profundidade e as alterações estruturais dessas mudanças. Mas podemos naturalmente especular.
A forma e o modelo a adoptar para sairmos deste período de lock down fará toda a diferença para determinar se aquilo que se segue é um período de crise económica muito dura e duradoura, ou se dura mas de curto prazo.
O que já sabemos?
Sabemos que vai haver uma retração significativa do PIB mundial em 2020. Que o desemprego vai aumentar de modo muito significativa, com uma inevitável perda de rendimento por parte de todos, cuja dimensão e forma será crítica para determinar o modo como sairemos desta crise.
Sabemos também que vai haver, necessariamente, uma mudança na componente comportamental. Seja na forma como as pessoas vão “retomar” as suas vidas ou na sua sua faceta social. Serão estas mudanças de comportamento duradouras ou vamo-nos esquecer delas se sairmos rapidamente desta situação? Não sabemos. Não nos podemos esquecer que somos latinos.
Uma das grandes mudanças provocadas pela pandemia, e que já é possível medir, prende-se com a aceleração da adopção do digital em todas as áreas da sociedade. Começando no trabalho à distância, onde a utilização das inúmeras plataformas tecnológicas permite que muitas empresas mantenham a sua atividade de uma forma o mais próxima do normal, cujos resultados e mudanças na estrutura e no funcionamento das organizações só mais tarde vamos perceber.
As mudanças passam também pelas escolas e pela educação, que hoje recorrem às aulas à distância para darem seguimento ao programa de ensino. O sector da educação terá que se adaptar de uma forma muito veloz à futura nova realidade. A reconversão de competências será central para que as pessoas possam procurar oportunidades de emprego em áreas distintas das suas áreas de formação base. As instituições de ensino terão que criar novos curricula de curta duração adaptados às novas necessidades.
No comércio, que vive uma autêntica era de transformação, concretizada pelo aumento significativo das encomendas online, que tem permitido inclusive aos pequenos comerciantes que não estavam preparados para esta realidade, acelerarem a desmaterialização da sua atividade e apostarem no online para que os seus negócios possam sobreviver.
Estes são apenas exemplos de três áreas que estão a reconverter o seu funcionamento e a sua aposta no digital, e que envolvem milhões e milhões de pessoas em todo o mundo. Mas muitas outras áreas, direta ou indiretamente, estão a ser também impactadas. Algumas delas terão novas oportunidades, outras provavelmente não sobreviverão.
O setor das viagens tem a sua atividade profundamente afetada. Desde logo a aviação, responsável pelo transporte diário de milhões e milhões de passageiros em todo o mundo, para negócios e sobretudo para o turismo, vai sofrer inúmeras perdas até que seja recuperada a confiança da população para retomar a circulação internacional. No geral, todos os sistemas de transportes, como o comboio, o metro, o autocarro, os barcos e os cruzeiros, vão ter de repensar a sua utilidade e o seu modelo de funcionamento até que os cidadãos voltem a sentir a confiança e a segurança necessárias para a sua utilização. Pode aproximar-se um perigoso “travão” ao transporte público, em detrimento do transporte individual e em contramão com as políticas dos governos e em prejuizo do ambiente. Operadores de transporte de base digital, como a Uber, estão a tentar ajustar rapidamente o seu modelo de negócio, em função de uma queda abrupta no transporte de passageiros. Em diversas cidades os Uber estão agora a entregar encomendas e comida em vez de transportarem passageiros.
A indústria de eventos (musicais, desportivos, culturais, de negócios, entre muitos outros), ou as indústrias da hotelaria e da restauração estão também a ser severamente afetados por esta mudança comportamental, sendo impossível prever quando poderão retomar uma certa normalidade e as alternativas que vão ser desenhadas até que isso possa acontecer. Novos modelos de negócio e de interação terão que ser pensados, em particular, para a indústria de entretenimento e de espetáculos ao vivo.
O que ainda não sabemos?
1. O impacto que a pandemia e a sua continuação no tempo vai provocar nas empresas e nas pessoas. Sucedem-se a partilha de análises, de números e de previsões, inclusive por parte do governo, e sendo certa uma recessão, é impossível neste momento prever a extensão da potencial crise que se avizinha.
2. Não sabemos também que novos modelos de negócio e oportunidades vão ser desenhados no mundo pós-covid, podendo antever-se mais ou menos transformações consoante o tempo que demorar até à retoma de uma futura nova normalidade. O mesmo se passará relativamente ao crescimento da economia e ao tecido empresarial, que sofrerá certamente evoluções significativas, com o surgimento de novas profissões, provavelmente associadas a uma componente digital forte, mas também a destruição de empresas e de setores de atividade.
Os riscos de uma crise verdadeiramente global.
A economia e as cadeias de produção e distribuição são hoje realmente globais – estamos todos interligados. O facto de um país sair desta situação rapidamente e bem não assegura o sucesso da sua recuperação económica, dado que está dependente dos países e das empresas integradas nas suas cadeias de valor. Estes países e estas empresas também terão de ultrapassar esta fase e de regressar à sua atividade. O retalho e o online vão estar cada vez mais de mãos dadas. As transformações a que vamos assistindo a este nível, associadas à especialização e simplificação dos processos de venda, compra e expedição, e à interação A sustentabilidade poderá ganhar um novo fôlego no final desta crise, sendo de esperar que esta componente esteja cada vez mais presente no dia-a dia das pessoas e das organizações, com impacto nas decisões estratégicas que venham a ser tomadas e, naturalmente, na sua legislação. Espera-nos uma indústria verdadeiramente sustentável? A redução das viagens é algo que deverá permanecer durante tempo O digital estará cada vez mais presente na vida das pessoas, em casa e no trabalho. E os avanços tecnológicos chegarão a novas áreas, contribuindo para a simplificação dos processos do dia-a-dia e para um novo normal. Os riscos de uma crise verdadeiramente global. crescente entre produtores, vendedores e consumidores, sugere que muitas destas alterações estão para ficar e chegarão cada vez a mais retalhistas e setores comerciais num futuro próximo. indeterminado, especificamente na aviação civil. A desconfiança, as dúvidas e os receios que se vão seguir a esta crise, associados aos novos métodos entretanto introduzidos e aprofundados, poderão originar uma maior racionalização das viagens, sobretudo para fins de negócio, mas também ao nível do turismo. Os transportes domésticos, pela sua utilidade enquanto necessidade básica, não deverão sofrer o mesmo impacto.
As cadeias de produção e distribuição e o seu bom funcionamento têm assim uma importância fundamental para o bom desempenho empresarial e para a economia, seja a nivel local, nacional ou internacional. É muito possível que esta crise provoque um certo nível de “desglobalização”, isto é, que as cadeias de produção se voltem a tornar mais locais e menos dependentes de entidades dispersas por tantas geografias.
O retalho e o online vão estar cada vez mais de mãos dadas. As transformações a que vamos assistindo a este nível, associadas à especialização e simplificação dos processos de venda, compra e expedição, e à interação crescente entre produtores, vendedores e consumidores, sugere que muitas destas alterações estão para ficar e chegarão cada vez a mais retalhistas e setores comerciais num futuro próximo.
O digital estará cada vez mais presente na vida das pessoas, em casa e no trabalho. E os avanços tecnológicos chegarão a novas áreas, contribuindo para a simplificação dos processos do dia-a-dia e para um novo normal.
A sustentabilidade poderá ganhar um novo fôlego no final desta crise, sendo de esperar que esta componente esteja cada vez mais presente no dia-a dia das pessoas e das organizações, com impacto nas decisões estratégicas que venham a ser tomadas e, naturalmente, na sua legislação. Espera-nos uma indústria verdadeiramente sustentável?
A redução das viagens é algo que deverá permanecer durante tempo indeterminado, especificamente na aviação civil. A desconfiança, as dúvidas e os receios que se vão seguir a esta crise, associados aos novos métodos entretanto introduzidos e aprofundados, poderão originar uma maior racionalização das viagens, sobretudo para fins de negócio, mas também ao nível do turismo. Os transportes domésticos, pela sua utilidade enquanto necessidade básica, não deverão sofrer o mesmo impacto.
Todos estes cenários permitem antever um novo futuro, com novos modelos de negócio e uma renovação do tecido empresarial que até aqui dávamos como garantido, mas cuja renovação poderá ser feita de uma forma mais acelerada do que a prevista. E onde o digital vai ter cada vez mais peso, e através do qual vão surgir novas necessidades e novas profissões. A chave desta recuperação estará acima de tudo num retomar de confiança para que se possa encontrar uma futura nova normalidade positiva.
Este é também um momento para refletir sobre a importância da inovação e investigação como caminho para encontrar os novos modelos de negócio e tirar partido das oportunidades que irão florescer no pós-pandemia.
Artigo publicado originalmente no #1 da NORTE.AR, a revista da Porto Business School.