O comércio eletrónico tem vindo a crescer de forma significativa em Portugal e aproxima-se rapidamente de valores na ordem dos 3 mil milhões de euros em compras. O seu impacto na economia será grande a curto prazo e obrigará a reestruturações em vários setores de mercado. Para Pedro Barbosa, coordenador do programa E-commerce and Mobile Strategy da Porto Business School, “o difícil é imaginar onde ele não será tão relevante [comércio eletrónico], porque estamos ainda na primeira metade da revolução digital”.
Como caracteriza, em termos gerais, o setor do comércio eletrónico a nível global e, particularmente, em Portugal?
[PB] O comércio eletrónico continua o seu caminho de crescimento sustentado, a nível global. Portugal está a recuperar rapidamente e a crescer de forma muito significativa.
Estamos a crescer a níveis superiores ao da média europeia nos últimos anos. Na sua opinião a que se deve este crescimento?
[PB] Trata-se de um misto entre o despertar dos grandes players, que começam a perceber a importância dos projetos digitais na sustentabilidade da própria empresa no longo prazo, o nascimento de novos players puramente digitais e os primeiros investimentos de algumas das PME do mercado nacional. Ao mesmo tempo, os consumidores começam a mudar os seus hábitos e já não são só os early adopters a comprar online. Os setores de disrupção, como a compra de viagens, hotéis e bilhética acabam por habituar os consumidores a consumo digital, que depois vai sendo alargado a outros setores, em que a penetração não é tão rápida.
Portugal tem, como vimos, um crescimento contínuo neste setor. Há uma ideia de que os portugueses se adaptam facilmente a coisas novas. Somos mesmo um bom exemplo em termos de e-government. No entanto, e de acordo com alguns especialistas da área, cerca de 70% dos gestores portugueses não exploram devidamente as potencialidades da era digital. Existe uma explicação lógica para isto?
Até recentemente tratava-se, essencialmente, de uma falta de consciência. Muitos gestores pensavam que o comércio eletrónico era algo hype, mas apenas lateralmente relevante. Entretanto, uma parte deles já compreenderam que é vital para a sobrevivência da empresa, não só pelas vendas online, mas sobretudo pela sua influência nos canais tradicionais. Uma outra razão que trava crescimentos mais rápidos é a dificuldade de integração dos maiores operadores, sobretudo no retalho e áreas financeiras e de seguros. Por fim, a falta de pessoas qualificadas nas equipas dificulta o processo, num mercado cujo crescimento não permite muitas vezes contratações de um grande número de pessoas.
Olhando para o futuro: daqui a 20 anos acredita que ainda teremos centros comerciais no formato atual, ou supermercados e lojas “físicas”?
[PB] Não creio que alguém possa imaginar o comércio em vinte anos, com as mudanças que se perfilam para os próximos três. Em qualquer caso, penso que nos próximos anos haverá menos lojas físicas, mas essas que existirem terão um papel importante na ligação com todas as plataformas digitais.
Quais serão, para si, os grandes setores que não serão alvo de uma grande reestruturação fruto da comercialização eletrónica?
[PB] O retalho, a indústria, as áreas financeiras, a educação, a governação. O difícil é imaginar onde ela não será tão relevante, porque estamos ainda na primeira metade da revolução digital. O número de ligações digitais com que interatuamos crescerá de tal forma nos próximos anos, que cada vez teremos mais saudades de relva, areia e terra. Novos desafios aparecerão com a expansão do comércio eletrónico na indústria de transformação e no retalho, cujos supply chain terão de se readaptar rapidamente para sobreviver no médio e longo prazo.
Em termos ambientais, por exemplo, qual a sua opinião acerca do impacto da “generalização” do comércio eletrónico?
[PB] O impacto ambiental tende a ser muito positivo quando comparamos impacto por interação, mas também é verdade que passaremos a ter muito mais interações. Será uma forma de gerar crescimento de uma forma mais sustentável para o planeta e as pessoas.
A formação pode ter um papel importante na forma como os gestores podem passar a encarar a importância do comércio eletrónico?
[PB] Entendo ser crucial, sobretudo nas empresas que vão ou estão a fazer a jornada da transformação digital. Se querem fazê-lo, devem evitar o erro comum de contratar “algumas pessoas” para o departamento de e-commerce , deixando os restantes como estão. Toda a empresa necessita de uma visão clara do que vai acontecer nesta área e de como a organização tem de se reinventar para ela. Eu diria que pelo menos os quadros médios e superiores deviam ter todos formação na área, se as empresas querem de facto estar preparadas.