"Não é imoral ganhar dinheiro. O importante é o uso que se lhe dá, com sentido de justiça perante a sociedade”
A propósito do projeto "Palavras no Tempo", Paulo Rangel, docente da Porto Business School e eurodeputado, e Rui Lopes Ferreira, presidente executivo da Unicer, falaram da relação entre a religião e o dinheiro, da moralidade e da necessidade das empresas em reter novos talentos para garantirem a sua sustentabilidade e se manterem competitivas.
A Porto Business School organizou a mais recente edição da iniciativa “ Palavras no Tempo”, um projeto apoiado pela Universidade do Porto, que no passado dia 19 de maio contou com a participação de Paulo Rangel, eurodeputado e professor convidado da Porto Business School e Rui Lopes Ferreira, presidente executivo da Unicer.
Na sessão, dedicada ao tema “Religião e Dinheiro”, Paulo Rangel e Rui Lopes Ferreira partilharam as suas ideias e visões, num debate moderado por João Paiva, professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e co-autor do livro “Educação, Ciência e Religião”, que inspirou a criação do projeto “Palavras no Tempo".
Paulo Rangel, que se considera “um cristão de cultura católica.” e que afirma que o facto de ser católico foi um acidente, "porque sou cristão na minha essência”, referiu que é muito importante fazer a distinção - “Uma coisa é Deus e outra coisa é o dinheiro. Aliás, Jesus é muito duro na questão do dinheiro [...] Um dilema com que se debatem muitos cristãos é o de como numa sociedade capitalista se pode conviver com o que diz Jesus e a forma como se vive nessa sociedade”, refere.
Durante a Idade Média a forma como as sociedades olhavam para o dinheiro era significativamente diferente da atual. No cristianismo “o lucro era imoral. Os cristãos podiam emprestar dinheiro mas não podiam tirar lucro. Por isso é que os judeus se dedicaram à banca. Não foi por acaso. Se já estavam condenados a irem para o inferno era só mais um pecado… e ao menos faziam algo de útil para o desenvolvimento da economia”, explica o eurodeputado.
De acordo com Rangel, este foi um dos motivos que levou ao surgimento dos protestantes no norte da Europa, “onde a questão do uso do dinheiro e o fim da dependência a Roma foram fundamentais. Por isso os países católicos eram menos desenvolvidos que os países protestantes”.
A propósito da questão da moralidade e imoralidade com que o dinheiro é utilizado, Rui Lopes Ferreira defende “não vejo o dinheiro como um problema se for bem utilizado. Se assim, for ninguém deve sentir a consciência pesada. Não é imoral ganhar dinheiro. O importante é o uso que se lhe dá, com sentido de justiça perante a sociedade”.
Acrescentando que “numa empresa ganhar dinheiro não tem mal nenhum, se a criação de valor e geração de riqueza sejam postos ao serviço da sociedade, seja através de produtos, serviços ou conhecimento”.
Rui Lopes Ferreira chamou a atenção, a propósito das diferenças entre católicos e protestantes, para a filantropia: “nos países de cariz protestante a filantropia é muito grande. Nos países católicos essa cultura é fraca. Em Portugal, só me recordo dos casos Gulbenkian e Champalimaud”.
Reter o talento
Quando questionados sobre a remuneração e o talento, Paulo Rangel defendeu “o modelo escandinavo [um país luterano] onde existem equilíbrios; [relativamente aos salários de topo] convivem pacificamente bem com isso. Em termos gerais há equilíbrio e distribuição de riqueza”. Deu ainda o exemplo da Alemanha, onde “há um envolvimento dos empregados na gestão das empresas e onde há uma distribuição do lucro”.
Rangel afirmou ainda, que “o problema não está no ganhar dinheiro, mas sim na sua acumulação”. E recuperou a temática da filantropia para exemplificar: “nos Estados Unidos, por exemplo, isso não me impressiona, porque há diferenças brutais entre ricos e pobres e são desiguais socialmente”.
Já Rui Lopes Ferreira confessa que este “é um tema crítico. O que tenho para dizer sobre isto é o meio termo. Não se pode entrar em exageros”. E dá o exemplo da Unicer “que há mais de vinte anos paga ordenados acima do ordenado mínimo e também promove o equilíbrio entre géneros”.
Para Rui Lopes Ferreira “a disparidade de salários não me choca. Só o exagero, sim. Mas não sei qual é o patamar”, chamando a atenção para o facto de “o talento é muito procurado e tem de ser remunerado por isso. Não perfilho a ideia de que somos todos iguais. Temos de reter talento. Só assim as empresas podem ser sustentáveis”.