A Bienal Automóvel Internacional da Alemanha realizou-se na semana passada, na cidade de Munique. Tradicionalmente esta Exposição Automóvel tem sido a oportunidade para o país apresentar a força duradoura da indústria automóvel nacional, enquanto acolhe as grandes marcas de todo o mundo. No entanto, a edição deste ano foi muito diferente.
De acordo com a Organização, a “mobilidade neutra para o clima” foi o tema do evento.
Oficialmente designada “IAA Mobility”, o evento estendeu-se pela cidade de Munique, incluindo o espaço dedicado ao tradicional Salão Automóvel e exibições que tiveram lugar no centro da cidade. A cidade disponibilizou ruas e espaços públicos. E foi também preparada uma pista de testes, na qual os visitantes tiveram a oportunidade de experimentar novos produtos, entre os quais, carros, bicicletas e novos conceitos do transporte sustentável.
Não foi apenas um “motor show”. Embora existissem veículos de quatro rodas, muitos deles elétricos, grande parte das exibições focou-se noutra coisa: pedais. De facto, estiveram presentes mais fabricantes de bicicletas do que fabricantes de automóveis. No passado, o evento incluiu pistas de teste montanhosas para veículos todo-o-terreno montadas em espaços ao ar livre. Em vez disso, este ano, a Mercedes-Benz e outros expositores montaram pistas de teste para bicicletas de montanha.
Foram também apresentadas algumas scooters elétricas e pequenos carros interessantes. Por exemplo, foi apresentado um pequeno veículo com um sistema de tração nas quatro rodas que depende da força muscular (pedais) para o funcionamento do eixo dianteiro, enquanto que motores elétricos de duas rodas apoiam o eixo traseiro. Outro exemplo foi um carro elétrico minúsculo com apenas dois assentos e que pode ser carregado numa tomada doméstica em apenas 4 horas. Um outro exemplo apresentado foi um triciclo que inclui duas rodas dianteiras para uma maior segurança e uma bateria que pode ser retirada do pequeno veículo para ser recarregada dentro de casa. Durante o evento foram também apresentadas bicicletas de carga pesada híbridas (com pedais e motor elétrico).
No entanto, nem tudo mudou no evento. Os principais fabricantes ainda apresentaram novos modelos de automóveis, embora muitos deles elétricos. E foram divulgados muitos “conceitos” futuristas e carros que parecem diretamente saídos do universo da fantasia desenhados por engenheiros a quem foi dada a licença para pensar em grande sobre o futuro.
O que foi menos visível foram soluções baseadas em “economia partilhada”. Há alguns anos alguns executivos da indústria automóvel estavam convencidos que menos pessoas comprariam carros particulares e, em vez disso, seriam adotados modelos de uso partilhado. No entanto, a pandemia fez com que as pessoas tomassem consciência de que o transporte privado ainda tem algumas vantagens. Atualmente os consumidores estão focados na saúde e alteraram os seus hábitos e preferências com o objetivo de mitigar a infeção. Subitamente os carros particulares são tendência e as boleias partilhadas estão fora de moda.
Munique representou um ponto de viragem. A última edição da exposição foi realizada em 2019. E na altura, era conhecida por Salão Automóvel de Frankfurt (The Frankfurt Motor Show), um evento em grande escala: um espaço de grandes dimensões que acolhia empresas de todo o mundo – todas elas com apresentações dispendiosas dos seus veículos da moda. No entanto, o evento tem-se tornado cada vez maior e mais caro. Muitos dos principais fabricantes decidiram não participar. Em 2019, e após o evento ter sido interrompido por ativistas climáticos, a organização decidiu que estava na altura de uma mudança. Deixaram Frankfurt, que acolhia o evento desde 1950, e decidiram ir para Munique.
Assim, na semana passada, Munique representou uma tentativa de reinventar o próprio Salão Automóvel numa época em que muitos dentro da indústria se questionam se estes eventos são luxos que não podem mais sustentar. O foco do evento mudou drasticamente; da exibição das mais recentes, elegantes e rápidas máquinas de quatro rodas para algo desenhado para abranger todos os aspetos da mobilidade – contando com empresas tecnológicas, start-ups e fabricantes de bicicletas.
“A mobilidade é um dos tópicos mais interessantes da sociedade”, disse Hildegard Mueller, Presidente da Associação da Indústria Automóvel Alemã. “Por todo o mundo as pessoas estão à procura de melhores soluções para as suas necessidades de mobilidade. O principal foco reside nas soluções que nos conduzam à neutralidade climática”.
Acontecimentos recentes apontam certamente nessa direção. As cidades redefiniram as faixas de rodagem dedicadas aos automóveis com o objetivo de criar mais espaço para bicicletas e scooters. Incentivos governamentais dedicados à indústria automóvel têm incentivado a adoção de soluções neutras em carbono e estimulado o desenvolvimento de veículos elétricos.
Numa outra mudança consequente da pandemia, os consumidores estão cada vez mais virados para os canais digitais – desde a entrega de refeições ao domicílio aos serviços de streaming - e agora esperam que os players da mobilidade expandam as suas ofertas online.
Segundo um estudo da McKinsey, as mudanças nas preferências dos clientes, inovações tecnológicas e regulamentações irão persistir muito depois da pandemia. Os consumidores estão cada vez mais focados nos canais digitais e nas questões de sustentabilidade. O acesso às opções de micro-mobilidade - veículos leves como bicicletas, e-scooters e ciclomotores - será importante, tal como as questões de segurança e saúde. Na tecnologia, o ritmo da mudança continuará a acelerar em todas as áreas, incluindo conectividade, condução autónoma e transporte urbano. E os legisladores irão envolver-se ainda mais na temática da mobilidade. A União Europeia, por exemplo, propôs aumentar a meta de redução das emissões de CO2 dos atuais 40% para 55% até 2030; e a Califórnia vai avançar com a proibição da venda de automóveis novos com motor de combustão interna.
Tais mudanças estão a impulsionar as empresas líderes em mobilidade a reimaginar o futuro da mobilidade. Eles já estão a ajustar as suas estratégias à condução autónoma, carros conectados, veículos eletrificados e mobilidade partilhada, e estão agora a ir ainda mais longe para dar resposta ao impacto da pandemia no comportamento do consumidor, na formulação de políticas e nas economias regionais.
Na Europa, os novos padrões de emissão de CO2 para os fabricantes de automóveis estão a ser associados aos pacotes de recuperação económica COVID-19 (Plano de Recuperação e Resiliência) com particular foco nas soluções de energia renovável e neutras em carbono. Juntos, deram um impulso decisivo aos veículos elétricos e ao ecossistema emergente que acompanha a transição para o futuro elétrico.
A jornada da eletrificação encontra-se num momento crítico que está a redefinir a futura direção do transporte. A “e-mobilidade” é mais do uma palavra da moda. É um termo utilizado para descrever a implantação global dos veículos elétricos, as estações de recarga necessárias e os muitos benefícios ambientais e económicos resultantes desta mudança positiva a nível global. Ao olhar para o futuro, a transição vai proporcionar benefícios ambientais, sociais e de saúde através da melhoria da qualidade do ar, mas também vai ter um valor comercial significativo. A rutura que vem com “reinventar a roda” (literalmente) e fazer a transição para formas completamente novas de mobilidade certamente valerá a pena.
Artigo originalmente publicado no Jornal de Negócios a 16.09.21