A forma como as marcas interagem com os consumidores tem vindo a mudar nos últimos anos. O consumidor de hoje quer viver experiências, e a tecnologia tem tido um papel de relevo nesta mudança de paradigma, levando a várias alterações e na forma como as empresas se posicionam nos mercados. Mas não será a tecnologia a responsável pela alteração dos modelos de negócio, serão as pessoas. Esta foi uma das ideias apresentadas por Ana Roncha, uma das oradoras convidadas para o seminário “Desafios de Futuro da Indústria Têxtil e da Moda”, que teve lugar no passado dia 8 de junho.
“Há quem diga [sobre o setor da moda] que é o maior negócio do mundo, acima do armamento”. E que a moda, associada ao têxtil é “um setor em crescimento e importante na economia, empregando 350 mil pessoas e, se incluirmos outros setores, como o do calçado ou da distribuição, movimenta valores na ordem dos 30 mil milhões de euros”. Foi com esta afirmação que Paulo Vaz, presidente da ATP e Diretor do Programa de Gestão de Negócios de Moda iniciou o seminário “Desafios de Futuro da Indústria Têxtil e da Moda”, que marcou a conclusão do programa e que contou com a participação de Ana Roncha, Diretora do Mestrado Marketing Estratégico de Moda – London College of Fashion e Daniel Bessa, Economista e professor da Porto Business School.
Phygital experience
Os consumidores e a necessidade das empresas compreenderem cada vez mais os seus consumidores foi uma das ideias mais defendidas por Ana Roncha, para quem os consumidores ocupam um papel fundamental na criação de valor das marcas. “Os consumidores de hoje não são os de ontem”, afirma, “temos um consumidor mais individual e com uma visão mais global, que espera das empresas algo mais do que o preço e o lucro. E que espera também que tenham [as empresas] mais preocupações sociais”.
“Aquilo a que assistimos hoje é mais do que uma compra. É um sentimento de posse. É toda a envolvência no ato de adquirir algo, o consumidor sentir que há uma identificação com a marca. E um consumidor que procura uma experiência. Há empresas que já oferecem eventos nas suas lojas, como aulas de Yoga, por exemplo”, destaca.
A propósito do tema da envolvência, Ana Roncha referiu que muitas empresas já começam a apostar na transparência do preço. Ou seja, na forma do consumidor saber porque está a pagar aquele valor por uma determinada peça. No entanto, confessa que é muito difícil para uma marca apresentar valores e toda uma pegada digital de uma peça. "Estamos a entrar na era do Phygital" [junção entre o Physical e o Digital], referiu Ana Roncha, " com as marcas a permitirem-me entrar numa loja e ter acesso a tudo o que comprei nessa loja e confrontar-me com sugestões adequadas aos meus gostos e necessidades”. O papel da tecnologia tem e irá continuar a ter cada vez mais importância. Ana Roncha concorda mas realça que “a tecnologia está a mudar muita coisa mas não modelos de negócios. As pessoas sim, fazem mudar os modelos”.
A terminar, Ana Roncha referiu cinco elementos que, no seu ponto de vista, qualquer negócio de hoje em dia deve ter::
AGILIDADE - capacidade das empresas se adaptarem às necessidades e mudanças dos mercados;
ENVOLVÊNCIA – as empresas têm de oferecer algo mais aos consumidores;experiências de forma a criarem um envolvimento com o consumidor;
RELEVÂNCIA – o produto/serviço tem de ser relevante. Se o que a empresa tem para oferecer não for relevante e apelar a qualquer tipo de desejo perde muito para o consumidor, em termos de expetativas;
INTELIGÊNCIA BENEFICIAL – em vez de vermos o mundo pela lente das tecnologias devemos ver o mundo pelas lente das necessidades dos consumidores;
COLABORAÇÃO – é importante que nas empresas os diversos departamentos colaborem entre si. O trabalho de equipa é fundamental para se compreender o negócio e conseguir oferecer produtos que vão ao encontro das expetativas dos consumidores.
B2B ou B2C?
Para Daniel Bessa, que acompanha o setor têxtil há anos, “o tema do crescer na cadeia de valor e uma aproximação ao consumidor é importante”. No entanto, defende que “a indústria portuguesa ainda está bastante distante deste mundo fascinante que é a moda. Ainda faltam muitas competências em Portugal ao nível das novas tecnologias. É um mundo que eu não domino. Nem as empresas portuguesas. Ainda há muito a aprender, como a história da envolvência das marcas com os consumidores”.
E não tem dúvidas que o caminho que as empresas devem seguir é “manter-se no B2B. É por aí que se acrescenta valor às empresas em várias áreas”. Mas admite que, “mesmo quem está no B2B deve dominar no final da cadeia de valor, o B2C para entender o consumidor, e estar tão consciente como ele (consumidor) das tendências e ser capaz de propor”. A terminar a sua intervenção Daniel Bessa afirmou acreditar que “a jusante da marca há uma oportunidade – na entrega e na área tecnológica – para se criarem muitos negócios”.
O fim das lojas física e do fast fashion?
Quando questionada pela plateia acerca do futuro das lojas físícas, se tenderiam a fechar portas, Ana Roncha defende que “as lojas físicas nunca vão deixar de existir porque o toque é muito importante. Mas está a haver uma filtragem. As que fecham são as que não se aproximam dos consumidores nem procuram conhecê-los. Tem de haver – da parte das lojas – a capacidade de se adaptarem e conseguirem compreender as necessidades dos seus clientes”.
Já sobre o facto de muitas lojas online estarem a abrir lojas físicas, Ana Roncha refere que “está relacionado com a necessidade de criar novas experiências aos consumidores e perceberem melhor como oferecerem melhores serviços”, explica Ana Roncha.
A terminar a sessão e sobre a possibilidade do fim da fast fashion, Daniel Bessa acredita que não se chegará aí, mas antes que irá haver uma reorganização dos mercados. “A economia mundial está a crescer devagar e as exportações também. A globalização está em desaceleração e, por isso, muitas empresas [europeias] estão a aproximar-se mais. Há muitos clientes que se foram embora e outros estão a regressar a Portugal”, salienta. Já para Ana Roncha o fast fashion “nunca vai acabar, mas vai haver uma evolução. Há mercados que lhe dão muito valor e outros que não. Os mercados rodam sempre em torno dos consumidores. E a moda não foge à regra.