Os elevados níveis de inflação que atualmente se observam no mercado de bens e serviços da generalidade dos países, à escala global, são um processo cumulativo com três origens.
(i) a disrupção de algumas cadeias produtivas em resultado das restrições sanitárias impostas pela pandemia do Covid-19, que introduziu restrições do lado da oferta;
(ii) nalguns mercados, a pressão do lado da procura alimentada por poupança forçada que as famílias acumularam durante o período da pandemia;
e (iii) as restrições de oferta de algumas matérias-primas, resultantes da invasão da Ucrânia pela Rússia e subsequentes sanções, como são os casos mais notórios dos cereais e da energia, que fizeram disparar os respetivos preços, agravando os preços de produção dos bens e serviços de uso final.
Este último, é o fator mais recente e mais impactante sobre os elevados níveis da inflação observada. No futuro próximo, existe o risco de surgir um novo fator a alimentar a inflação, nomeadamente os ajustamentos salariais que irão ocorrer e que as empresas tenderão a refletir nos preços a que vendem bens e serviços.
Perante o tipo de choque em presença, só há uma forma de reverter ativamente o processo inflacionista: através de políticas restritivas, nomeadamente pela subida das taxas de juro diretoras. Dessa forma, os bancos centrais:
(i) acionam a retração da procura, que pressiona a inflação em sentido oposto à inflação gerada pelo agravamento dos custos;
e (ii) gerando abrandamento económico e desemprego, o que retira pressão às subidas salariais, contrariando assim o processo de indexação dos salários.
Do lado dos governos, nas circunstâncias atuais, faz sentido a adoção de algumas medidas que visem
(i) apoiar famílias com baixos rendimentos e que, com a inflação, vêm a sua capacidade aquisitiva cair abaixo de mínimos socialmente aceitáveis;
e (ii) atenuar a subida acentuada de preços de consumos básicos de toda a população, como é o caso da energia, suavizando um pouco a perda generalizada de poder de compra e, ao mesmo tempo, contribuindo para a atenuação do processo inflacionista.
Pressionado pelas iniciativas levadas a cabo pelos governos de vários países, também o governo português decidiu adotar um “pacote de medidas de combate à inflação”, que foi recentemente anunciado. Cada uma das medidas adotadas foi já profusamente dissecada no espaço público, pelo que me dispenso de o fazer aqui. Pego, no entanto, em dois exemplos para ilustrar a visão que tenho sobre a situação económica portuguesa:
(i) a decisão de antecipar o pagamento de pensões, a qual, como se trata de uma antecipação, será abatida em pagamentos futuros;
e (ii) o anúncio da redução do IVA da eletricidade que, efetivamente não o é, já que a taxa de IVA, na realidade, se mantém nos 23%, sendo excecionados apenas os consumos mensais dos primeiros 100 kWh e, mesmo assim, apenas nos casos em que o consumidor tenha contratado uma baixa taxa de potência.
Em vez de toda esta complexidade, pareceria mais simples fazer o que foi feito noutros países, isto é, baixar o IVA da energia (gás e eletricidade) para a taxa mínima. Porque não foi feito? Porque a dívida pública se mantém em níveis indesejavelmente elevados e não há espaço para a aumentar mais, em particular num contexto em que se percebe que as taxas de juro estão a subir e que acabou o tempo em que é o devedor que recebe juros do credor.
Em vez deste tipo de “pacotes” seria bem mais importante um pacote de medidas capaz de retirar a economia portuguesa da situação de estagnação em que se encontra há mais de 20 anos, pois é a única forma de puxar, sem sacrifícios, o rácio da dívida pública para valores aceitáveis e remunerar melhor quem trabalha, minimizando a “caridade” do Estado em situações como a presente em que a taxa de inflação é temporariamente mais elevada.
Artigo de João Loureiro, docente da Porto Business School e codiretor da Pós-Graduação em Direção de Empresas