A transformação digital, que vemos como acelerador e catalisador de inovação e competitividade, obriga a desafios redobrados dentro das organizações. Estarão as organizações preparadas para esta nova realidade? Que impactos podemos esperar? Será a transformação digital um desafio ou uma oportunidade?
Estas e outras perguntas foram o mote para mais um webinar da Porto Business School, desta vez dedicado ao tema “Digital Operations & Digital Supply Chain”. Juntámos, na mesma conversa, Pedro Côrte-Real, Responsável pela Equipa de Gestão da Cadeia de Abastecimento na Sonae MC; Pedro Amorim, diretor do programa Analytics for Better Marketing Decisions, Co-founder da LTPLabs e Head of Research Center for Industrial Engineering and Management no INESC TEC e Américo Azevedo, Professor e Diretor da Pós-Graduação em Gestão de Operações e do programa de formação para executivos Construir a Excelência nas Operações da Porto Business School e Coordenador da TEC4INDUSTRY no INESC TEC. Apresentamos neste artigo algumas das principais conclusões desta conversa.
Portugal abaixo da média europeia na tecnologia digital empresarial
Ao longo das últimas décadas, Portugal tem vindo a ter uma série de obstáculos no processo de fortalecimento da sua própria economia e vive constantemente períodos altos e baixos. Mesmo a pandemia atual mostrou a importância dos ativos digitais para a nossa economia. Por outro lado, e mais recentemente, o Índice da Digitalidade da Economia e da Sociedade de 2020 da União Europeia, diz que quase 40% das PME’s nacionais têm um índice de intensidade digital considerado muito baixo. E, de acordo com este índice, Portugal ocupa o 19º lugar entre 28 Estados Membros. O indicador que registou maior descida é o da tecnologia digital nas empresas, passando do 11º para o 16º lugar, encontrando-se abaixo da média da União Europeia.
Afirmando que a falta de digitalização nas empresas pode ser fatal, Américo Azevedo diz que um dos principais obstáculos pode ser a lacuna de conhecimentos digitais por parte de empresários e gestores. De forma geral, as PMEs portuguesas têm sido menos ativas na digitalização dos que as de maior dimensão, e este é um aspecto significativo, uma vez que a economia portuguesa é, na sua maioria, dominada por microempresas concentradas em setores tradicionais.
“Já não é preciso inventar nada”
A digitalização está a acelerar mas não é um tema recente: os temas digitais surgem na década de 40 do século passado, ou seja, há 80 anos. A revolução mais mainstream ocorre nos anos 70, 80, com o grande crescimento da computação, e desde aí tem ocorrido vaga após vaga nas empresas, na sociedade, um pouco por todo o lado. E, de acordo com Pedro Côrte-Real, “isto é particularmente importante quando falamos em implementar nas empresas, porque já não é novo, já não é preciso inventar nada”.
No entanto, é importante salientar que a digitalização é uma discussão diferente, dependendo se estamos num setor em que o próprio produto ou serviço é digitalizado ou se estamos num setor em que a atividade ou a forma de fazer a atividade beneficia da digitalização, mas a atividade em si não deixa de ser física ou até manual. Na área do retalho, por exemplo, existem muitos processos digitais, mas o produto ainda é físico e tem que ser transportado, manuseado e entregue. Isto faz uma grande diferença na forma de atuação digital das empresas.
Pedro Côrte-Real lembra como tudo começou já há muitos anos: “Já estamos há muitos anos a ter vagas após vagas de transformação digital nas empresas. Usando o exemplo da Sonae, o Continente de Matosinhos quando abriu, em 1985, não tinha ainda um código de barras, por exemplo, era tudo manual. Com as vagas sucessivas de digitalização, hoje em dia não há nenhum processo grande, relevante da nossa cadeia de valor, que não tenha por trás um determinado sistema com um processo digital: sistemas de gestão de entreposto, lojas fazem vendas com um computador completo por caixa, o espaço em prateleira é definido por algoritmos de otimização digitais, etc. E é muito importante destacar isto porque em alguns casos o que estamos a fazer anos após anos nas empresas é fortalecer ou tornar mais completo um conjunto de iniciativas de digitalização que vem dos últimos 20, 30 anos. Não estamos a inventar as coisas de novo”.
Disruptivo ou bases sólidas?
Quando se fala de transformação digital é muito importante garantir que a base do que as empresas fazem e as componentes mais processuais ao longo da cadeia de valor estão bem suportadas. “É muito mais importante fazer isso do que avançar logo para as questões mais disruptivas”, afirma Pedro Côrte-Real.
Para o gestor, devemos ir sempre a duas velocidades: trabalhar com umas bases sólidas e ir acompanhando as novidades. Existem sempre tendências que estão na crista da onda do mais moderno, mas a experiência de grandes empresas mostra que existem um conjunto de bases fundamentais, que deixaram de ser grandes novidades, mas que são muito importantes quando amadurecidas.
Pedro Amorim lembrou que muitas empresas de pequena e média dimensão poderão ter dificuldade em conseguir ter horizontes de médio prazo. Em suma, precisamos de um meio termo: conseguirmos ter uma forma ágil de construir uma base, que depois permita avançar para os pilotos de transformação, que por sua vez permitam um maior retorno do investimento.
Mão de obra vs tecnologia: o caso Alemão
Tem-se assistido a um aumento do custo de mão de obra, mesmo nas economias mais desenvolvidas, e por outro lado a diminuição do custo da tecnologia, como a robotização. Nos últimos 10 anos, na Alemanha, por exemplo, os custos de mão de obra subiram cerca de 25% e a tecnologia desceu cerca de 30%”, lembrou Américo Azevedo.
Seria, então, muito importante que as empresas tivessem uma forma de medir até que ponto estão automatizadas ou avançadas tecnologicamente, que possam avaliar a maturidade de digitalização, ter um referencial de comparação. Mas não só: a automação é apenas uma das dimensões da digitalização. Há outra que é muito mais desafiante, o conceito de colocar inteligência na decisão, conceitos de smart control ou smart management.
Estar atrasado pode ser uma vantagem
Mas pode existir uma grande vantagem que temos em Portugal: estamos alguns anos atrás da transformação de outros países, e por isso podemos tentar perceber quais foram as lições aprendidas nos últimos 5, 10 anos. No retalho, quando a Sonae analisa o centro da Europa, percebe que estão já a fazer implementações de robotizações e outras automatizações do processo físico, mas em alguns casos ainda com dúvidas sobre o retorno. No Norte da Europa já é quase um dado adquirido. Isto tem a ver com a diferença entre o custo da tecnologia versus o custo da mão de obra, porque o da tecnologia é mais transversal e o da mão de obra varia localmente. Neste ponto de vista o nosso atraso pode ser uma vantagem.
Ganhos de digitalização são também ganhos de augmentation, sendo que a digitalização permite tomar decisões mais granulares e, logo, mais bem sucedidas. As pessoas e o seu conhecimento são peças fundamentais no processo. No entanto, fica a ideia de que seria ideal que as empresas tomassem decisões como os carros autónomos: deixando que os algoritmos decidam.
Medir o impacto das alterações digitais foi também palavra de ordem neste webinar, onde os convidados destacaram a Banca e as Telecomunicações como setores mais avançados na transformação digital.
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