Desenvolvimento sustentável: "Want to Be a Billionnaire? Solve a Billion-Person Problem!"
A consciencialização trazida pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [ODS] pelas Nações Unidas, em 2015, e pelo COP21 [Acordo de Paris] marca um dos maiores desafios de futuro para as empresas - adoptar uma postura Outside-In e moldar as suas missões, visões e valores neste novo quadro, em que o objetivo deixa de ser “minimizar impactos negativos” para passar a ser “criar impactos positivos significativos” em áreas críticas para a sociedade e para o planeta.
A “Sustentabilidade” é um conceito que vem estando "na moda" há já alguns anos, tendo evoluído, mais recentemente, para o chamado “Desenvolvimento Sustentável”. No mundo dos negócios, o desenvolvimento sustentável continua a gozar de um estatuto peculiar e bastante "elástico", desde a típica associação a questões meramente ambientais, à frequente ligação à filantropia, à presença obrigatória em declarações oficiais de intenções, ou o absoluto comprometimento [ora mais genuíno, ora mais oportunista].
Neste cenário, há duas realidades claramente contraditórias: por um lado, cada vez mais executivos e empresas vêm demonstrando conhecimento sobre as problemáticas em causa e declarando o seu compromisso em relação à Sustentabilidade; por outro lado, vários desequilíbrios económicos, sociais e ambientais mantiveram-se ou agravaram-se ao longo dos últimos anos, e o Planeta continua a ser “abusado” para além da sua capacidade de regeneração e a taxas crescentes [recorde-se que no passado dia 2 de agosto chegamos ao 2017 overshoot day a nível global, ou seja, o dia em que foi ultrapassada a capacidade anual de regeneração do planeta; em Portugal, o resultado foi pior do que a média global, com o 2017 overshoot day a 10 de junho].
No ano de 2000, as Nações Unidas definiram os Objetivos do Milénio - Millennium Goals- oito objetivos de larga escala para os principais desafios do planeta, com metas concretas até 2015. Houve vários progressos significativos em várias áreas, mas houve também vários resultados que ficaram aquém dos objetivos ou se agravaram, nomeadamente ao nível ambiental ou ao nível das desigualdades. Daí o lançamento, em 2015, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 2030, um conjunto de 17 objetivos de alto nível, abarcando os problemas globais de forma ainda mais detalhada e estabelecendo metas ainda mais desafiantes para cumprir até 2030. A esse compromisso, que foi subscrito unanimemente pelos 193 estados membros da ONU, juntou-se ainda o COP21 [Acordo de Paris] o acordo específico no sentido de minimizar causas e efeitos das alterações climáticas.
Este é, por conseguinte, um momento muito relevante da história da Humanidade, dado que foi possível estabelecer compromissos internacionais ao mais alto nível, os quais serão objeto de reporte e monitorização até 2030. Cabe a cada Estado identificar e implementar as mudanças necessárias a nível nacional (regional e local), através de políticas, quadros regulatórios e outros estímulos, no sentido de contribuir de forma efetiva para a consecução dos ODS até 2030.
As empresas e os negócios surgem como atores principais neste projeto global de longo prazo. De facto, alguns dos maiores desafios prendem-se com a contenção de padrões de consumo/produção desmesurados, a aposta em modelos de economia circular, a utilização de energias limpas, o impacto das novas tecnologias no emprego, a transição para sociedades mais inclusivas e menos desiguais, ou a preservação da biodiversidade. Novos paradigmas de consumo, produção, utilização de recursos naturais, saúde e bem-estar só poderão ser alcançados se tivermos uma sociedade informada e organizações alinhadas e genuinamente comprometidas com os ODS.
E é aqui que surgem vários dilemas nas empresas modernas, que:
- competem em mercados cada vez mais globais, incertos, rápidos e focados em conquistas no curto prazo [sobretudo económicas/financeiras];
- impõem a sua imagem, os seus produtos e os seus serviços junto da sociedade, moldando comportamentos, criando novas necessidades e novos hábitos de consumo, no limite, novos valores e novos padrões éticos e morais, ainda que isso contrarie princípios básicos da sustentabilidade;
- e sempre que possível, fazem valer a sua influência direta ou indireta (e.g. setorial) junto das mais altas instâncias políticas com o intuito de minimizar os riscos legais e regulatórios dos seus negócios, ainda que isso provoque atrasos ou inviabilize a transição para um mundo mais sustentável.
Frequentemente, a Responsabilidade Social Corporativa nas empresas fica associada a iniciativas de impacto limitado ou acessórias [caridade, voluntariado, etc.], não necessariamente ligadas ao core business. Essa é chamada a Sustentabilidade 1.0, em que o nível de preocupações extravasa a dimensão económica, mas em que a criação de valor se mantém essencialmente focada nas expectativas económico-financeiras dos shareholders.
Quando as empresas conseguem transitar para um modelo de negócio em que há uma consciência multidimensional e sistémica dos recursos, impactos e benefícios associados ao negócio, e em que são traçadas metas económicas, sociais e ambientais (triple bottom line), então há uma expansão da matriz de criação de valor e entramos no domínio da Sustentabilidade 2.0.
Mas a consciencialização trazida pelos ODS 2030 vem apelar a algo mais. E será esse o maior desafio para as empresas. Adotarem uma postura Outside-In, que coloca como ponto de partida os ODS e em que o principal propósito é criar valor para o bem comum, respeitando os preceitos do triple bottom line. As empresas que conseguirem moldar as suas missões, visões e valores neste novo quadro, em que o objetivo deixa de ser “minimizar impactos negativos” para passar a ser “criar impactos positivos significativos” em áreas críticas para a sociedade e para o planeta, terão entrado em modo Sustentabilidade 3.0.
Note-se ainda a influência que a cultura e os valores corporativos têm na sociedade em geral, pelo simples facto de os seus colaboradores acabarem por adquirir alguns [ou muitos] desses valores e os transporem para os círculos sociais que frequentam fora da esfera empresarial.
A agenda para o Desenvolvimento Sustentável e os ODS 2030 trazem, sem dúvida, uma nova era de consciencialização e responsabilidade para os indivíduos, para as organizações e para a sociedade em geral. Mas será essencial que esta transição não ocorra apenas por obrigação, mas com espontaneidade, otimismo e encarando os desafios, as necessárias mudanças e novas abordagens como verdadeiras oportunidades de desenvolvimento, para o sucesso de todos e para o bem comum.
Em 2015, o lema estabelecido pelo então secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, foi o de “não deixar ninguém de fora” [leave no one behind], numa clara alusão ao facto de os anteriores Objetivos do Milénio terem assentado fundamentalmente em metas de “redução” ou “minimização”. Por isso, é muito importante que, por um lado, as novas empresas já entrem no mercado em modo Sustentabilidade 3.0, e que as empresas existentes consigam adaptar-se a este novo paradigma, reinventando-se e apostando na criação de impactos positivos para todos e para cada um, e não permitindo a geração de novos desequilíbrios [económicos, sociais, ambientais] no processo.
E isto é compatível com a ambição da prosperidade. Citando Peter Diamandis, um dos oradores convidados da última edição da Porto Business School Grand Conference 2017, «Want to Be a Billionnaire? Solve a Billion-Person Problem!»
João Dias da Silva
Head of Strategic Control and Improvement da Porto Business School