As estatísticas Covid regressaram. As taxas de infeção e o número de pacientes internados estão a subir. As comparações internacionais voltaram às notícias. Quantos novos casos? E mortes? E as taxas de vacinação? As estatísticas são novamente um apoio em tempos de incerteza.
Mas há mais. O pensador político e antigo secretário de estado, Bruno Maçães, no seu novo livro “Geopolitics for the end time” expõe como a Covid-19 já transformou o sistema global e atua como prelúdio de um planeta afetado pelas alterações climáticas. Bruno Maçães vê a pandemia como o início de uma nova era, anunciando um panorama político mundial profundamente transformado. Prevê uma nova ordem internacional emergente, onde a competição tecnológica e adaptação a um ambiente natural cada vez mais hostil irá prevalecer sobre o conflito direto entre estados.
Antes da Covid, já era possível constatar uma nova competição entre modelos geopolíticos alternativos – mas o contexto não era evidente. Se o confronto tivesse lugar no sistema financeiro e de comércio internacional em vigor, os Estados Unidos sentir-se-iam confiantes numa vitória decisiva. E se esse confronto ocorrer num contexto neutro? E se a maior ameaça à segurança nacional passar a ser o ambiente? Quais serão os países a chegar ao topo?
O livro é um dos primeiros a considerar a pandemia na História e prever os caminhos que indiciam um novo panorama político mundial.
Para alguns países, a pandemia tem sido um teste contra o mundo. Em 2020, América, Europa e China chegaram à mesma conclusão: é preciso reduzir a dependência estratégica. Os Estados Unidos falam de “segurança da cadeia de abastecimento”, a União Europeia de “autonomia”. A China vai passar a tratar os agentes do mercado interno de forma diferente daqueles que operam internacionalmente, numa ótica de “dupla circulação”.
A nova ordem mundial gira à volta da tecnologia e acesso a matérias-primas, energia e conhecimento, mas para Maçães, a Covid-19 fez mais do que acelerar tendências antigas. Impôs-nos um jogo diferente. Compreendemos uma vez mais que os poderes internacionais não atuam num “espaço vazio”. Não. Os seus confrontos ocorrem naquela única Terra, num ambiente parcialmente hostil: a "natureza indomada".
O pequeno coronavírus que virou biliões de vidas do avesso depois da sua transmissão de um animal para um humano em 2019 é um lembrete destas forças da natureza. Ciclones, incêndios e chuvas torrenciais também. O prefixo “geo” de geopolítica assume um novo sentido na pandemia e na crise climática não em termos de localização, mas em relação à Terra: um ambiente partilhado. Cada país ou bloco de poder deve aproveitá-lo ao máximo com a sua própria tecnologia e estratégias, quase como um jogo de computador com vários jogadores. Isto fez da pandemia um teste, revelando qualidades e fraquezas nacionais.
Para Maçães, a crise climática não vai trazer cooperação internacional. Mas o sucesso na corrida climática traz poder e influência. A reputação de todos está em jogo. E isso motiva. A vontade de ganhar trouxe-nos tanta inovação tecnológica na História Humana como o desejo de fazer o bem. Talvez tenha sido por isso que, no outono de 2020, a China se comprometeu com a neutralidade climática até 2060. E a União Europeia associa o sucesso do Acordo Verde Europeu à sua credibilidade internacional.
A imaginação tecnológica, a coragem de correr riscos financeiros e industriais numa geopolítica pós-pandemia são ativos vitais. À medida que os países recuperam da pandemia, há uma oportunidade histórica de gerir a mudança climática e garantir recuperações verdes em todo o mundo que irão criar empregos, biliões em investimentos e novas tecnologias inovadoras.
Enquanto escrevo este artigo decorre a Cimeira do Clima (COP26) em Glasgow. É o maior evento internacional deste tipo, com mais de 25 000 participantes, incluindo líderes mundiais e empresários de renome. Pretende evitar o aumento das temperaturas globais acima de 1,5°C e proteger o nosso planeta e as pessoas dos impactos das mudanças climáticas. Os cientistas dizem-nos que temos de produzir menos carbono do que aquele que retiramos da atmosfera ("carbono zero").
Apesar da pandemia, a jornada para o “carbono zero” já está em andamento. Energia limpa (energia eólica e solar) é agora a fonte de eletricidade mais barata na maioria dos países; muitos fabricantes de automóveis estão a fabricar apenas modelos elétricos e híbridos; países por todo o mundo estão a iniciar um importante trabalho na proteção e restauração da natureza; cidades, estados e regiões comprometem-se a reduzir as emissões a zero. Cerca de 70% da economia mundial inclui agora objetivos “carbono zero”.
O caminho para emissões carbono zero significa também proteger e restaurar a Natureza. Para proteger e restaurar a biodiversidade, temos de alterar o modo como cuidamos da terra e oceanos e como cultivamos os alimentos.
A COP26 deverá conduzir a ações para proteger e restaurar as florestas e ecossistemas críticos e advogar a transição para uma agricultura sustentável.
Após uma semana de COP26, o clima é de suspense. Lá dentro, os governantes subscrevem compromissos. A Índia comprometeu-se a alcançar a neutralidade carbónica até 2070. A União Europeia anunciou o apoio de mil milhões de euros para o programa de combate à desflorestação. O Reino Unido prometeu 290 milhões de libras para os países menos desenvolvidos enfrentarem o impacto das alterações climáticas. Mais de 100 países assinaram o Compromisso Global de Metano para a redução das emissões de metano em 30% até 2030. Mas cá fora ouvem-se os protestos dos jovens ativistas. Greta Thundberg salienta que a Cimeira falhou e o resultado são duas semanas de “blá, blá, blá”.
O tempo está a esgotar-se! Será que a COP26 vai desencadear ações reais? Se as gerações futuras vão recordar este momento com admiração ou desespero, depende apenas da nossa capacidade coletiva de aproveitar este momento.
Artigo originalmente publicado no Jornal de Negócios a 10.11.2021