Em algumas sociedades, o tema da Diversidade e Inclusão tem sido debatido e operacionalizado com muita intensidade, em alguns casos com consequências graves para as empresas que não deram atenção ao tema. Portugal, apesar de ser um país exemplar em muitos aspetos, terá de se curar de uma aparente negação que, caso não seja tratada, causará progressivamente mais danos ao ecossistema empresarial.
As questões estruturais e históricas são profundas e devem ser sistematicamente tratadas. Neste espaço, porém, a minha missão é sensibilizar as pessoas para o que podem fazer rapidamente através das Ciências Comportamentais e da experimentação - nomeadamente, aumentar a diversidade e a inclusão nas empresas, através da diminuição efetiva de comportamentos racistas, xenófobos, sexistas, classistas, homofóbicos, transfóbicos, entre outros. Não é verdade que estes comportamentos não existem em Portugal. Não só existem, como causam sofrimento a milhões de pessoas. Sabemos que isto não ocorre apenas aqui, e que Portugal não será o pior caso, mas isto não pode ser usado como uma desculpa para mantermos a negação e o autoengano.
Por exemplo, é frequente ouvirmos que a pouca representatividade das mulheres nos postos de tomada de decisão nas empresas é fruto de uma "inclinação natural" dos homens para certas atividades, ou que o sistema meritocrático existe e funciona bem e que, por isso, as mulheres precisam de melhorar as suas capacidades para vencer nesse contexto. É importante termos em mente que apenas 7% dos membros executivos dos órgãos de administração das empresas cotadas em bolsa é ocupado por mulheres e 93% por homens (veja-se CIG).
Felizmente, hoje, conseguimos compreender melhor os enviesamentos presentes na formação de juízos e na tomada de decisão. Por exemplo, existem evidências de que os homens negociam com maior frequência seus salários, sem que isso signifique uma inclinação natural, de ordem biológica ou algo próximo disso. Este facto tende a aumentar a diferença salarial entre homens e mulheres.
Sabendo disto, o que devemos fazer? Penso que é um dever moral desenvolver e testar intervenções que procurem diminuir os efeitos desta diferença de comportamentos, contrariando a propensão das mulheres de não negociar salários, construída socialmente ao longo de séculos de opressão. Uma intervenção simples, baseada nas Ciências Comportamentais, testou o impacto de colocarmos explicitamente no anúncio da vaga de emprego que o salário é negociável. O resultado mostrou que não só houve mais mulheres a candidatarem-se à vaga, como também a probabilidade de negociarem o seu salário foi três vezes maior. Os investigadores puderam concluir que utilizar a expressão salário negociável pode tanto atrair mais candidatas do género feminino, como anular ou diminuir a tendência de as mulheres negociarem menos os seus salários, contribuindo desta forma para diminuir a diferença salarial.
A desigualdade entre mulheres e homens nas organizações baseia-se em grande medida em estereótipos sobre os seus papéis sociais. Por exemplo, as mulheres são percebidas como sendo naturalmente menos assertivas e tendencialmente mais atenciosas e simpáticas. Este estereótipo faz com que inicialmente as mulheres sejam consideradas menos competentes para posições de liderança, uma vez que estas características são diferentes do temperamento do líder socialmente idealizado. Por outro lado, muitas vezes, quando as mulheres assumem papéis de liderança e demonstram características como assertividade, são consideradas agressivas e acabam por ser penalizadas nas avaliações por apresentarem um comportamento que desvia das expectativas sobre o seu género. Por exemplo, um estudo recente analisou as avaliações formais em quatro empresas e verificou que as mulheres avaliadas tinham três vezes mais a probabilidade de serem consideradas "demasiado agressivas" do que os trabalhadores homens. Duplamente penalizadas, as mulheres veem prejudicadas as suas chances de progressão na carreira.
Novamente, o que fazemos com essa informação? Devemos contrariar este processo, desenvolvendo e testando intervenções, tornando os processos mais justos e menos enviesados ou, simplesmente, acreditar que tudo isso é natural e que não há nada a fazer? Neste caso, agir é fundamentalmente uma questão ética, porém pode também ser visto de um ponto de vista da produtividade e eficiência da organização, no qual assumimos que uma quantidade significativa de talentos está a ser deixada de lado, diminuindo consideravelmente a capacidade de inovação e retenção de talentos.
A crença em supostos sistemas meritocráticos ainda é grande e tende a produzir contextos de trabalho pouco diversos e inclusivos. O mais interessante é que muitas vezes as organizações não conseguem explicar, por exemplo, porque só contratam pessoas deste e/ou daquele curso, desta e/ou daquela universidade, porque só têm homens brancos heterossexuais no corpo de diretores e administradores. A crença é de que o sistema meritocrático fez o seu papel e que quem está onde está é apenas ou quase apenas pelo "mérito". Sabemos que isso não é verdade e que esta crença pode contribuir ainda mais para a desigualdade nas organizações.
Como disse no início, as evidências são outras, muitas vezes contra as nossas intuições, mas como nos vemos como cientistas-comportamentais-intuitivos, acreditamos que as evidências que nos contradizem são falsas, um pouco como fizeram líderes de alguns países com a pandemia e com as vacinas. É a mesma coisa, mas com algum requinte no autoengano e na negação.
Apesar disso, temos um caminho claro e inequívoco e estou certo de que vamos percorrê-lo. Há cada vez mais pessoas e organizações conscientes, preocupadas e mobilizadas para o tema.
Artigo originalmente publicado no Dinheiro Vivo a 03.09.21