Há um ano escrevi um artigo sobre “exuberância irracional”, o estado de fervor especulativo que levaria a uma “bolha” económica. Com as bolsas de valores a atingir níveis recorde e com o maior período de mercado em alta da história, todos se interrogavam se não estaríamos novamente em território “irracionalmente exuberante”. Escrevi, na altura, que se as taxas de juro permanecessem baixas e o crescimento dos ganhos das empresas se mantivesse na média, o mercado de valores poderia ainda oferecer ganhos significativos.
Também disse, na altura, que as bolsas de valores poderiam ser afetadas, negativamente, pelo menor crescimento económico na China, a ascensão do nacionalismo e do protecionismo, os níveis globais de dívida e a taxa de câmbio do dólar americano. Estes fatores criam incerteza e volatilidade nos mercados, como vimos nos últimos 12 meses. De facto, entre setembro e dezembro do ano passado, o índice S&P 500 perdeu 18%, para experimentar uma recuperação espetacular de 29% até 26 de julho deste ano, quando atingiu o nível mais alto de todos os tempos.
O principal fator a impulsionar os mercados de valores não tem sido o crescimento dos lucros das empresas, mas antes a política monetária. Os mercados de ações subiram principalmente devido às decisões da Reserva Federal sobre as taxas de juros. Para acalmar os mercados, o Fed anunciou em dezembro que não aumentaria juros, desencadeando uma grande recuperação do mercado, em janeiro. Em junho, rumores de que o Fed cortaria os juros, causaram outra corrida. O Fed cortou juros em julho e é provável que o faça novamente, em breve.
O presidente da Reserva Federal, Jerome Powell, prometeu fazer o que for necessário para manter a economia americana e afastar os receios de uma recessão iminente. "Não estamos a prever ou à espera de uma recessão. As perspetivas da economia continuam favoráveis", disse Powell na sexta-feira passada. Mesmo assim, Powell reconheceu "riscos significativos” a que os responsáveis políticos estão atentos (incerteza comercial, desaceleração do crescimento global na China e na Europa e redução da inflação) e acrescentou que irão continuar a agir conforme apropriado para sustentar este crescimento. Os seus comentários são vistos como um sinal de que as taxas de juros serão cortadas, novamente.
Enquanto isso, os investidores estão focados na China. Na última quinta-feira, os mercados reanimaram, enquanto as autoridades chinesas e americanas preparam o palco para as negociações da resolução do conflito comercial, que ocorrerão no início de outubro. Tal é a importância e o receio de uma "guerra comercial" que bastam notícias de que os EUA e a China estão em conversações para fazer mexer os mercados para terrenos positivos.
O presidente Donald Trump disse, na quarta-feira passada, que o índice bolsista Dow Jones seria milhares de pontos maior não fosse a guerra comercial com a China, que Trump iniciou no ano passado, na tentativa de abordar as práticas comerciais que, segundo ele, colocam os EUA em desvantagem. Como Trump, muitas pessoas pensam que a China retirou muitos empregos à indústria, nos Estados Unidos, através de práticas comerciais desleais.
Mas, numa recente entrevista à CNN, Larry Summers, professor e ex-presidente da Universidade de Harvard e ex-diretor do Conselho Económico Nacional do Presidente Obama, contestou isso. Questionado se a China realmente roubou empregos na indústria, Summers respondeu: “Não. O ponto principal é que as pessoas veem os custos, mas não veem os benefícios. As importações da China às vezes substituem os empregos nos EUA. Há destruição de empregos, mas também há criação de empregos. Criação de empregos porque exportamos para a China, criação de empregos porque nossos produtores são mais competitivos quando têm custos mais baixos, criação de empregos porque as pessoas têm mais poder de compra, uma vez que pagam menos pelos produtos fabricados na China e criação de empregos gerados pelo fluxo de capital da China para os EUA. Os estudos que não analisam apenas uma parte do contexto, mas que analisam também os benefícios da criação de empregos, constatam que a criação de empregos foi bastante substancial e comparável à perda de empregos.”
Além dos EUA, a guerra comercial também afetou a economia global, induzindo uma desaceleração que ameaçava levar o mundo à recessão. Larry Summers apontou: “Provavelmente estamos no momento de maior risco para a economia mundial, desde a crise financeira. ... E muito disto está relacionado com a incerteza e os riscos criados por um conflito comercial bastante sadomasoquista e tolo com a China. Estamos a perder bastante com a redução de investimento e a redução de criação de empregos. Esta não é, de todo, uma estratégia atraente. ”
E quais são as implicações para a Europa? Atualmente, a Europa está fixada no Brexit e às suas possíveis consequências, mas a guerra comercial EUA-China e seu impacto no sistema comercial global também são motivo de preocupação. Como exportador, a UE provavelmente sofrerá durante qualquer desaceleração do comércio global. Na Alemanha, onde as exportações representam quase metade da produção económica anual, a confiança das empresas caiu em seis dos últimos sete meses.
Mas a grande ameaça para a UE não é o impacto direto de uma guerra comercial EUA-China, per se. O maior problema de longo prazo está relacionado com a saúde e integridade do sistema global. Portanto, os instintos egocêntricos da “América First” [América, em primeiro lugar] da Administração Trump, incluindo o seu ceticismo em relação a muitas das instituições globais criadas pelos EUA e pela Europa, constituem uma ameaça de primeira ordem para a Europa. Isso é verdade, com ou sem qualquer guerra comercial EUA-China.
O que vai acontecer não é claro. Mas a rápida transformação da economia global nas últimas décadas exige uma nova liderança compartilhada. A UE precisa de trabalhar com seus parceiros da Ásia-Pacífico e com os EUA para atualizar as regras comerciais, reduzir os impedimentos nas fronteiras e estabelecer as bases para um mercado global próspero do século XXI.