Portugal esteve parado nas duas últimas décadas. Ou melhor, andou para trás. Em 2000, o nosso PIB per capita (em paridades de poder de compra) era cerca de 85% da média europeia - concretamente da UE 27, ou seja, já considerando os dez países, quase todos menos desenvolvidos do que nós, que só vieram a aderir à União Europeia em 2004, como a Polónia, a República Checa, a Hungria e Chipre; hoje o nosso PIB per capita é apenas 77% daquela média.
A propósito dos tais novos aderentes "menos desenvolvidos", deve-se realçar que quase todos já nos ultrapassaram em termos de riqueza criada por habitante. E para que não se atribua ao autoritarismo os louros do crescimento de vários desses países, relembro que o PIB da Irlanda mais do que triplicou nesse mesmo período de tempo.
Estamos, pois, a andar para trás. Não me vou ocupar do passado, analisando o que fizeram (ou o que deveriam ter feito) os governos que estiveram à frente do nosso País nessas duas décadas. Outros já disso se ocuparam dando azo a diferentes interpretações e visões da realidade. Vou antes olhar para o futuro, centrando-me naquilo que espero do governo que vier a sair das eleições do próximo dia 30 janeiro.
Sem esquecer a importância da adoção de políticas que, nas várias áreas da governação, potenciem o crescimento económico - como a educação, a ciência e a inovação, a coesão social, a organização do trabalho, o desenvolvimento territorial e a justiça, entre muitas outras - quero focar-me naquele que é, provavelmente, o principal motor do crescimento económico a longo prazo: a confiança.
Sim, porque se os agentes económicos (as famílias, as empresas e o Estado) não tiverem confiança no País, nunca haverá PRR que nos valha, nunca haverá taxas de juro suficientemente baixas (que, aliás, vão deixar de o ser) que fomentem o investimento, nem nunca o Governo terá mecanismos que assegurem um crescimento económico sustentável sem necessidade do constante apoio da União Europeia.
Do ponto de vista da governação, a confiança poderá ser potenciada através de cinco fatores: competência, fiabilidade, justiça, transparência e responsabilização. É por isso que, e começando por agradecer a Martin Luther King a inspiração, proclamo que:
- Sonho com um Governo que, sendo constituído pelos mais capazes, tenha a coragem de colocar à frente das estruturas públicas os mais competentes e não os boys e as girls que melhor demonstraram o seu carreirismo dentro das estruturas partidárias.
- Sonho com um Governo fiável que, só porque é novo, não faça tábua rasa de tudo o que está para trás, que consiga alavancar os recursos e as energias existentes e que seja capaz de estabelecer pontes com as forças políticas e sociais indispensáveis às reformas estruturais de que Portugal precisa.
- Sonho com um Governo que aposte na justiça: a começar na social - reduzindo as assimetrias e a exclusão e aumentando as oportunidades - e a acabar no exercício do poder judicial, porque só é possível ter uma sociedade desenvolvida com um Estado de Direito a funcionar em pleno e não com processos que se arrastam durante décadas.
- Sonho com um Governo que faça da transparência um baluarte da sua atuação e que não procure sistematicamente "puxar dos galões", enfatizando os sucessos e menosprezando ou mesmo ocultando os insucessos.
- Sonho com um Governo que seja responsável, que saiba assumir uma efetiva liderança executiva sem ser autoritário, que preste contas e cujos membros assumam as suas responsabilidades quando as coisas não correrem bem.
Sei que alguns leitores dirão que estou a ser ingénuo e idealista. A esses só posso contrapor que sem confiança continuaremos a marcar passo e a ficar para trás. Porque a confiança é o maior driver do crescimento económico. Porque o que não falta por esse mundo fora são exemplos de que o sucesso não está no destino - isto é, no "fado" - mas na vontade, na ambição e no trabalho. Doutra forma, só estaremos a dar razão ao velho general romano que nos considerava um povo que "não se governa nem se deixa governar".
Carlos Brito, docente convidado da Porto Business School e codiretor da Pós-Graduação em Maketing Management.
Artigo originalmente publicado no Dinheiro Vivo a 01.01.2022