“Brexit vai criar um novo equilíbrio político-económico na União Europeia”
A propósito do debate público sobre o Brexit, Jorge Farinha, docente e coordenador do programa Finanças para Gestores da Porto Business School alerta para algumas das implicações que o Brexit poderá ter na economia europeia e qual o impacto do mesmo, em Portugal.
9 meses depois do resultado do referendo e da vitória do "Sim" já conseguimos prever o impacto económico do Brexit para a União Europeia?
[JF] O Brexit vai criar um novo equilíbrio político-económico na União Europeia. Se até ao Brexit os países fora do Euro correspondiam a cerca de 30% do PIB da União Europeia, passarão agora a ser apenas de 15%. A Alemanha e, em menor medida, a França tornar-se-ão mais dominantes, podendo com isso gerar também mais atritos internos.
A União Europeia é a maior parceira comercial do Reino Unido, responsável por cerca de metade do seu comércio internacional. O Reino Unido irá ter assim um aumento dos custos desse comércio via surgimento de barreiras e tarifas alfandegárias. Por outro lado, não irá beneficiar de eventuais novos acordos comerciais a realizar pela União Europeia (em discussão com o Japão e talvez num futuro – e uma outra administração americana - com os próprios EUA).
O Reino Unido, com apenas 18% do mercado único terá menos poder negocial com outros países na realização de acordos comerciais e deverá tornar-se bem menos interessante como destino de investimento estrangeiro. Poderá a curto prazo talvez fazer um acordo com os EUA, mas é não apenas incerto como de duração possivelmente limitada, dados os interesses de longo prazo, onde os EUA estarão mais com a União Europeia do que com o Reino Unido, o que deve ser confirmado com uma futura nova administração americana.
A perspetiva de referendo da Escócia também poderá contribuir para o agravamento destes problemas e para uma relevância ainda menor do Reino Unido.
E essa diminuição da sua relevância já se começa a notar?
[JF] De certa forma sim. Por exemplo, ainda na semana passada um grupo inglês, da área de desenvolvimento de software financeiro (Misys, detido por um private equity americano), anunciou a aquisição de uma empresa cotada de fintech (DH) no Canadá (2.5 biliões de dólares canadianos) comunicando a intenção de retirar a DH de bolsa, fundir com a Misys e cotar-se, não no Reino Unido (onde inicialmente tinha intenção), mas sim nos EUA "devido ao Brexit".
Alguns produtos de marcas como a Mars ou a Nestlé aumentaram os preços nos supermercados no Reino Unido recentemente. Isso terá continuidade?
[JF] Os preços aumentaram sim, certamente devido à desvalorização da libra. Isso será um dos efeitos diretos do Brexit, com a redução no bem-estar dos consumidores ingleses. Ainda que isso possa influenciar positivamente as exportações do Reino Unido, a prazo, a imposição de barreiras alfandegárias irá atenuar ou eliminar esse efeito.
Queria referir que existe hoje um consenso académico que, para além das vantagens estáticas (isto é, mais de curto prazo) dos efeitos de livre comércio (desde o famoso livro de David Ricardo), existirão efeitos de longo prazo sobre a produtividade e inovação. Com esse efeito de longo prazo, um estudo da London School of Economics estima que a quebra de rendimento do Reino Unido poderá ser entre 6% a 9% no longo prazo, com perdas significativas no bem-estar dos consumidores britânicos.
Em termos económicos, que dividendos poderá Portugal obter? As relações comerciais de Portugal com o Reino Unido poderão sair afetadas?
[JF] Sim, é bastante possível haver alguma deslocalização de unidades fabris e de serviços do Reino Unido para a Europa, onde Portugal pode revelar-se especialmente atraente devido à combinação de abundância de mão de obra qualificadas e baixos custos salariais. O saldo pode não ser tão significativamente positivo se introduzirmos na equação a redução de turistas ingleses (muito importantes para nós), menos exportações para o Reino Unido e menos interesse em reformados ingleses viverem em Portugal. E, já agora, menos oportunidades para portugueses emigrarem para o Reino Unido.
A Índia, por exemplo, está já a "negociar" a circulação de pessoas. O Reino Unido pode perder muito em termos de capital intelectual com a sua saída da União Europeia? Por outro lado, esta perda de capital intelectual pode trazer vantagens para os outros países da UE?
[JF] Qualquer redução de livre circulação terá efeitos nocivos para os países envolvidos. A Porto Business School, que já tem atividade na Alemanha (oferece o seu programa de MBA full-time através de uma parceria com a Gisma Business School, em Hannover) poderá beneficiar de um aumento de procura por parte de estudantes que, tradicionalmente, procuram o Reino Unido e que verão outros países da União Europeia como destinos mais interessantes e com menos restrições no acesso por parte de estrangeiros.