A taxa de abstenção nas autárquicas de 2021 é a segunda mais elevada (46,3%) desde as primeiras eleições autárquicas, em 1976. Só em 2013 é que se registou uma percentagem de abstenção ainda mais alta, de 47,4%.
No rescaldo das eleições autárquicas de 2021, o papel das Ciências Comportamentais e do Marketing na diminuição da abstenção eleitoral foi o tema escolhido para o regresso da série de live webinars “Beyond Now” depois do Verão.
No webinar, que contou com a participação dos diretores de programa Marketing e Economia Comportamental, Carlos Mauro, Fundador e CEO da CLOO, e Gustavo Mendes, Diretor de Marketing no Grupo Primor.
Neste webinar, Carlos Mauro definiu, em linhas gerais, as Ciências Comportamentais e o seu grande objetivo. “As Ciências Comportamentais mostram que nós não nos comportamos sistemática e previsivelmente de forma racional. Não agimos exclusivamente sob a influência de fatores que são captados pela Teoria da Escolha Racional”, refere o Fundador da CLOO. Isto indica a existência de uma série de questões contextuais que influenciam o nosso comportamento e acrescentou a relevância das Ciências Comportamentais que “têm essa base teórica conceptual: nós podemos, mudando determinadas questões na arquitetura de decisão e na abordagem do problema, alterar comportamentos”.
Gustavo Mendes assinalou a intenção do Marketing, pois interessa-nos compreender como as “as pessoas tomam decisões em relação àquilo que compram, ao seu percurso de vida e à sua participação eleitoral”. Aliado às Ciências Comportamentais, o marketing pode ser útil, porque pode apoiar a arquitetura de mensagens específicas para cada perfil de eleitores e acrescentou que “considerar que todos os eleitores são todos iguais é um erro”.
Outro aspeto interessante partilhado por Gustavo Mendes está relacionado com a época inédita que vivemos. “Pela primeira vez na História coexistem seis gerações de consumidores: a “silent generation” (na qual estão os cidadãos da acima dos 70 anos) até à geração alfa”, refere. E em 2026 quando a geração alfa atingir a maioridade, estaremos perante seis gerações distintas de eleitores. O grande desafio é segmentar os eleitores e compreender como chegamos a todos eles.
Com a mudança de estratégias e táticas aplicadas às redes sociais, a área das Ciências Comportamentais tornou-se “mais crítica e, em certa medida, mais suspeita”. Carlos Mauro destacou que, apesar de as Ciências Comportamentais terem sido criadas para potenciar uma mudança de vida das pessoas para melhor, tem sido utilizada de forma pouco ética. No Brasil e nos EUA, temos o exemplo das “fake news” que impõem uma nova forma de trabalhar, porque a sua própria construção assenta em princípios das Ciências Comportamentais, numa perspetiva de persuasão. Esta tática pode colocar as pessoas com medo, tornando-as permeáveis ao chamado político “salvador da pátria” que acaba por conquistar os seus votos. E aqui o problema está na utilização de determinados princípios das Ciências Comportamentais sem qualquer compromisso ético.
Carlos Mauro e Gustavo Mendes consideraram que o tema da abstenção deverá ser uma questão de Política Pública. Por exemplo, alguns países, como é o caso dos EUA, os próprios partidos promovem campanhas para diminuir a abstenção.
Gustavo Mendes salientou o desafio que é segmentar o perfil de abstencionistas. A Lei de Proteção de Dados não nos permite saber qual é a geração com maior ou menor índice de abstenção eleitoral. E sem esses dados é impossível dirigir mensagens específicas para cada perfil. Existem alguns estudos de intenção de voto, mas há um “gap” entre a intenção e o comportamento efetivo de voto.
Nesta lógica do sujeito eleitor, Carlos Mauro sublinhou a importância de conhecer o perfil de eleitor. Por exemplo, indicadores, como o rendimento, são muito importantes no contexto de abstenção do voto. A taxa de abstenção é poderá ser maior nos grupos com rendimentos mais baixos. As campanhas de incentivo ao voto poderão ter mais impacto nos grupos com rendimentos mais altos.
O final desta conversa foi marcado pela importância de desenvolver uma investigação informada acerca da abstenção eleitoral, considerando o peso que os fatores culturais de cada país poderão ter implicações na interpretação dos dados e nas estratégias implementadas.