Após um ano sem precedentes, entramos em 2021 com alguma luz ao fundo do túnel. O lançamento de vacinas significará, assim o esperamos, uma rápida reabertura das economias. Mas é pouco provável que a recuperação económica chegue antes do segundo semestre do ano.
Começamos 2021 com um misto de esperança e prudência. Para trás, deixámos 2020, um ano em que a economia global suportou a sua mais profunda recessão em 74 anos, com a pandemia da covid-19 a destruir vidas e meios de subsistência. Embora o vírus vá permanecer connosco ao longo de 2021, a rápida implantação de vacinas permitirá uma transição para uma melhor economia pós-pandémica.
É difícil, neste momento, prever um regresso ao normal, dado o aumento do número de casos da covid-19 nos Estados Unidos e na Europa. No entanto, mesmo com a persistência da pandemia, a economia global tem-se mostrado extraordinariamente resiliente. Após um declínio acentuado no início de 2020, a economia mundial recuperou e está no bom caminho para superar os níveis do PIB pré-pandémico, preparando o terreno para um forte crescimento em 2021.
Mas a dimensão deste crescimento global é incerta.
Isto não se deve apenas ao facto de depender de quanto o vírus se espalha e do lançamento de vacinas. É também porque não sabemos que danos permanentes a pandemia já causou. O seu pleno impacto tem sido obscurecido pela intervenção maciça de emergência dos governos para salvar empresas e apoiar os trabalhadores.
Há um consenso de que a economia global começará 2021 com uma taxa de crescimento modesta e muito provavelmente acelerará na segunda metade. No primeiro trimestre, o crescimento será perturbado por confinamentos, pela prudência prolongada dos consumidores e das empresas, pela diminuição do apoio fiscal, e pelo peso do aumento da dívida. No entanto, a reabertura das economias e a disponibilidade de vacinas desencadeará gradualmente uma nova onda de gastos, particularmente em viagens e serviços. O PIB global em 2021 deverá aumentar cerca de 5,2%. A UE deverá crescer apenas 3,9% de acordo com o BCE (Banco Central Europeu).
Três fatores-chave irão provavelmente influenciar o crescimento: uma recuperação dos mercados emergentes, um crescimento global sincronizado e o regresso da inflação.
Com a situação mais favorável da covid-19 em muitas nações em desenvolvimento, os mercados emergentes irão marcar o ritmo do crescimento global. Economias dependentes do comércio, como a Coreia e Taiwan, já estão bem encaminhadas para as suas recuperações, enquanto as grandes economias, mais orientadas para a procura interna, como a Índia e o Brasil, estão a registar um crescimento positivo de ano para ano. Espera-se que esta dinâmica continue em 2021. Entretanto, a China recuperou terreno rapidamente, à medida que o consumo recupera significativamente. O Banco Mundial prevê que a China cresça 7,9%, em 2021.
Uma recuperação global síncrona (quando o crescimento tanto em mercados desenvolvidos como emergentes acontece simultaneamente) é rara. Mas o palco está preparado para essa recuperação síncrona no segundo trimestre de 2021. Inicialmente, serão os países emergentes que irão impulsionar o crescimento global. Depois, à medida que emergem dos confinamentos de inverno, os países desenvolvidos poderão acrescentar a esse impulso. No segundo trimestre, todas as geografias e todos os setores da economia global poderão estar a juntar-se à recuperação.
A recessão da covid pode também levar ao regresso da inflação. A pandemia causou um pico de desemprego a níveis que já não eram vistos há gerações, e os decisores políticos farão tudo o que for necessário para criar empregos e devolver o emprego aos níveis pré-covid o mais rapidamente possível.
As políticas de estímulo acabarão por pressionar os salários para cima, aumentando a inflação.
Alguns economistas alertam para o aumento de preços, à medida que o enorme estímulo monetário e fiscal proporcionado em 2020 se for concretizando na economia global. No entanto, nem todos concordam com este ponto de vista. O Japão parece estar em risco de um regresso à deflação, e a Zona Euro está presa a aumentos de preços modestos. Se surgir uma pressão inflacionista, é provável que aconteça primeiro na América. Mas devemos estar atentos às expectativas inflacionistas também na Europa. Os preços das mercadorias, por exemplo, subiram acentuadamente no segundo semestre de 2020, à medida que a economia global recuperou; e à medida que estes custos mais elevados são empurrados para jusante nas cadeias de abastecimento para os próximos meses, podem conduzir a preços mais elevados para os produtos acabados em 2021.
E como irão os governos reagir às pressões inflacionistas?
Os bancos centrais poderão seguir a nova política flexível da Reserva Federal dos EUA (Fed) em termos de metas de inflação média. A nova abordagem reforça que o seu objetivo de 2% de inflação é uma média, não um objetivo fixo. A Reserva Federal permitirá que a inflação ultrapasse os 2% para compensar valores anteriores mais baixos. A menos que o Fed veja pressões inflacionistas significativas ou riscos óbvios para a estabilidade financeira e nível de emprego, será menos provável que aumente as taxas de juro. Esta nova abordagem deverá ajudar o banco central a combater futuras recessões. O Banco Central Europeu (BCE) irá provavelmente seguir o exemplo do Fed. Assim, as taxas de juro nos Estados Unidos, Zona Euro, Reino Unido, e Japão permanecerão perto de zero em 2021 e mais além.
A verdadeira ação será na política fiscal. Os governos devem avaliar se a recuperação económica necessita de mais apoio. Nos EUA, se os republicanos mantiverem o controlo do Senado, o Presidente Joe Biden poderá ver-se incapaz de aprovar mais medidas de estímulo, mesmo que a economia se deteriore. Outros países desenvolvidos podem enfrentar o risco de uma viragem demasiado rápida para a austeridade fiscal, uma vez que os seus governos se preocupam com os défices, especialmente se uma rápida recuperação da atividade for confundida com uma recuperação total. Assim, com a política monetária mais ou menos fixa, o efeito das decisões fiscais e de despesa será mais significativo. Assim, deveríamos estar mais atentos aos ministros das Finanças do que aos bancos centrais.
Na Europa, espera-se uma variação considerável na velocidade e força da recuperação entre países. A recuperação a várias velocidades da Europa dependerá de uma série de fatores, nomeadamente da vontade e capacidade de obtenção de financiamento por parte dos governos. A covid-19 tem tido um impacto substancial nas finanças do setor público em todas as economias europeias. Os governos sabem que neste momento é melhor gastar para manter as pessoas a trabalhar, do que permitir que o desemprego dispare e ter de lidar com as consequências, mais tarde. A subida da dívida soberana está na ordem do dia para todas as nações europeias, este ano. O quanto a dívida atual comprometerá os limites de despesa futura, bem como o quão sustentáveis são os níveis elevados de dívida pública, são questões cuja resposta dependerá das forças económicas e fiscais subjacentes das respetivas nações.
Após um ano sem precedentes, entramos em 2021 com alguma luz ao fundo do túnel.
O lançamento de vacinas significará, assim o esperamos, uma rápida reabertura das economias. Mas é pouco provável que a recuperação económica chegue antes do segundo semestre do ano. Globalmente, o fim da pandemia e o apoio governamental em curso deverão contribuir para um futuro mais risonho. Feliz Ano Novo!
[artigo publicado, originalmente, no Jornal de Negócios a 05.01.2021]