A Europa deveria depositar as suas esperanças num outro tipo de turista: orientado para a família, mais interessado em passear e relaxar do que em ficar embriagado e, acima de tudo, disposto a gastar dinheiro.
Do terraço do hotel onde toma o pequeno-almoço, quase pode fingir que nada mudou. No entanto, quando anteriormente fez check-in no hotel, uma recepcionistade máscara saudou-o com uma “pistola de temperatura” apontada à sua cabeça. O gel higienizante está em todo o lado. Ao sair do quarto, setas no chão apontam para a forma de circular no resort. As verificações de temperatura são omnipresentes, especialmente no terraço do pequeno-almoço e na sala de jantar. Ao pequeno-almoço, o buffet já não é o que era. A escolha é limitada e muitas coisas são pré-embaladas em pequenos recipientes de plástico. No ano passado, o chefe de salanão lhe servia ovos com luvas e uma máscara. Agora, serve. Mas, apesar de todas estas "novidades", as coisas importantes ainda estão no lugar. Ainda há muito sol, ainda há muita areia. Talvez não seja tão divertido como antes, mas continuam a ser férias. E queria mesmo ir de férias. Certo?
É sobre este débil entusiasmo que repousam as esperanças da Europa. À medida que o continente começa a recuperar da pandemia do coronavírus, os países estão a tentar encontrar um equilíbrio entre a proteção da saúde pública de um vírus que ainda representa uma ameaça e o reavivar das economias moribundas. Talvez nenhum outro setor enfrente maiores desafios do que o Turismo. Afinal, foram as viagens que conduziram à propagação da pandemia, permitindo que um vírus se deslocasse dos mercados de Wuhan, China, para a Europa e para o resto do mundo. Na ausência de uma vacina, é evidente que todas as componentes do turismo - não apenas os seus aviões e navios de cruzeiro, mas também os seus hotéis, restaurantes, museus e festivais - predominam canais importantes para a potencial transmissão do vírus.
Na Europa, em particular, o turismo é crítico para a economia. Na União Europeia, mais de 11% do PIB gerado provém diretamente de receitas do turismo (em comparação com 2,6% nos EUA). Em Paris, o turismo representa a maior indústria,maior ainda do que os serviços ou a moda, e os 38 milhões de visitantes da cidadeajudam a manter, anualmente, cerca de 12% de todos os parisienses trabalhadores empregados. Em Portugal, a quota do turismo no PIB é de 19%, ultrapassado apenas pela Grécia (21%) e pela Croácia (29%), segundo o World Travel & Tourism Council (WTTC). O relatório anual de 2018 da Comissão Europeia de Viagens mostrou 51% do turismo global que se destina à Europa, com um número crescente de turistas vindos dos EUA e da China.
Mas em 2020, tudo mudou. As dores causadas pela COVID—19 estão espalhadas por toda a cadeia de abastecimento do turismo, desde as companhias aéreas que estão à beira da falência até pequenas empresas, que organizam tudo, desde visitas de uma tarde a mercados locais a programas de uma semana. As ajudas governamentais e os subsídios de desemprego têm garantido um “suporte de vida” a estas empresas, durante estes últimos meses. Mas, à medida que os governos retiram a ajuda, as projeções são péssimas. De acordo com o WTTC, a Europa poderá perder 18,4 milhões de empregos relacionados com o turismo e 1 trilião de dólares do PIB em 2020. Pode parecer trivial no contexto de uma emergência de saúde global, mas encontrar formas dos europeus gozarem em segurança umas férias de Verão poderia proporcionar o sustento a milhões de pessoas.
Pode também ser crucial para o futuro da Europa. Tal como a crise da dívida de há uma década atrás, o coronavírus representa uma ameaça a uma já frágil união da Europa. A UE depende da cooperação multilateral, fronteiras abertas e livre circulação de pessoas – e tudo isto foi lançado pela janela durante o pior da crise. Ao reabrirem as fronteiras, cautelosamente, cada país europeu está a adoptar a sua própria abordagem aos controlos fronteiriços e aos protocolos de saúde. Mas a reconstrução de uma economia turística é algo que devem fazer em conjunto. Se forem bem sucedidos, a união dos países da Europa poderá sair mais forte.
Os empresários podem agora estar desesperados para que as ruas estejam cheias de turistas, mas os residentes locais não têm tanta certeza disso. Alguns não sentem a falta da avalanche de turismo que infesta muitas cidades no Verão. Nos anos que antecederam a pandemia, outro tipo de crise estava a crescer em toda a Europa, à medida que o número de turistas aumentava incontrolavelmente. Autocarros turísticos, companhias aéreas de baixo custo e gigantescos navios de cruzeiro entregavam multidões de turistas aos centros históricos das cidades, perturbando os mercados imobiliários locais, prejudicando o ambiente e transformando bairros inteiros em zonas interditas aos residentes. Nestas circunstâncias, nenhum caso é tão gritante como o de Veneza, onde o número de turistas foi tão elevado que o governo municipal tentou impor controlos nas principais vias de entrada da cidade para restringir o acesso. As administrações, vacilantes, nunca conseguiram aplicar propostas duradouras para restringir o número de apartamentos de aluguer a curto prazo ou para redirecionar navios de cruzeiro. E onde falharam, o vírus foi bem sucedido. Nos primeiros fins-de-semana após o confinamento, só as pessoas da região local foram autorizadas a aceder a Veneza. Mesmo agora, que a cidade está já aberta a outros europeus, a sensação é diferente. Os habitantes locais dizem isso: "Antes eram muitos excursionistas e pessoas que vinham apenas para marcar Veneza na sua lista de cidades a visitar. Agora podemos dizer que as pessoas estão interessadas no que existe cá".
Estamos todos conscientes de que o turismo tem de regressar, para o bem da economia local. Mas muitos de nós espera que volte diferente: com mais qualidade, mais respeitoso, mais sustentável para o ambiente. A Europa deveria depositar as suas esperanças num outro tipo de turista: orientado para a família, mais interessado em passear e relaxar do que em ficar embriagado e, acima de tudo, disposto a gastar dinheiro. Com a perturbação que a pandemia trouxe, temos uma oportunidade de reduzir o impacto negativo do turismo e de o transformar em algo mais sustentável. Se o turismo fosse assim para o resto das nossas vidas, seria incrível.