Provavelmente já leram sobre isto. Portugal é considerado um dos países mais “crypto-friendly” do mundo. Incentiva investidores estrangeiros, empreendedores e nómadas digitais, permitindo-lhes alcançar ganhos em criptomoeda livres de impostos.
O Ministro das Finanças declarou que os negócios no retalho em criptomoeda não seriam tributáveis e que apenas as transações ou rendimentos gerados por atividades profissionais seriam tributados. Além disso, o governo aprovou, em 2020, o “Plano de Ação para a Transição Digital” para promover a digitalização. Este plano inclui a criação de “zonas francas tecnológicas” para fomentar a experimentação em blockchain e outras áreas.
Milhões de investidores têm sido atraídos pela criptomoeda devido às suas cotações crescentes. A excitação à volta da criptomoeda resulta também do potencial da tecnologia blockchain subjacente (bases de dados distribuídas que providenciam um mecanismo de controlo descentralizado simultâneo que mantém o consenso quanto à existência e estado de factos partilhados). A tecnologia blockchain tem o potencial de transformar a indústria de serviços financeiros através das finanças descentralizadas (DeFi).
As previsões sugerem que esta indústria irá valer 40 biliões de euros em 2025 e sugerem que o perfil de “blockchain expert” será um dos mais procurados. No entanto, em Portugal, o número de profissionais com conhecimento nesta área ainda é pequeno. Para contrariar esta carência, diversas organizações estão a promover formação nesta área. Por exemplo, a Porto Business School, a Binance (líder mundial na prestação de serviços de infraestrutura para o ecossistema blockchain) e a Aliança Portuguesa de Blockchain uniram-se para oferecer um programa de formação em tecnologia blockchain e as oportunidades de negócio.
Alguns declaram que neste mundo pós-pandemia as criptomoedas poderão fazer com que o ouro deixe de ser o ativo de eleição dos investidores para responder a riscos extremos, instabilidade de preços e turbulência geopolítica. De facto, a bitcoin e o ouro têm muito em comum, nomeadamente por terem pouco ou nenhum valor intrínseco e por não gerarem fluxos de receita. Qualquer que seja o seu valor, este deriva da crença partilhada de um número suficiente de pessoas que lhe atribuem valor.
Uma razão importante pela qual os investidores compram bitcoins e ouro é a sua escassez inata. A quantidade de ouro novo que pode ser extraído num ano é relativamente baixa.
É muito caro aumentar o stock, em contraste com a moeda emitida pelo governo, cujo custo marginal de impressão é bastante baixo. O que tornou o ouro particularmente apelativo em períodos, como a crise financeira de 2007-2009 e a crise pandémica, quando os bancos centrais imprimiram dinheiro em grandes quantidades. A mesma lógica aplica-se à bitcoin. Oferece escassez: uma oferta fixa de 21 milhões de bitcoins. Montante prometido aquando do início da bitcoin, em 2008, pelo seu inventor Satoshi Nakamoto, e que é monitorizado por blockchain.
Fatores históricos e culturais desempenham um papel relevante na perceção dos méritos do ouro. Ao longo dos tempos, o ouro simboliza poder, riqueza e beleza. No mundo antigo, os gregos consideravam que o ouro evocava o esplendor dos deuses. E também os três reis magos levaram ouro, incenso e mirra para oferecer ao Menino Jesus.
O ouro desempenhou um papel importante no progresso da Califórnia. A famosa “corrida ao ouro” (“Gold Rush”, em inglês) começou em 1848, após a descoberta de ouro em Sutter’s Mill, em Coloma, a aproximadamente 80 kms da cidade de Sacramento. A rápida chegada de exploradores do ouro teve um impacto profundo na Califórnia, transformando drasticamente a sua demografia. Antes da descoberta do ouro, a população do território rondava os 160 000 habitantes, a grande maioria dos quais eram nativos americanos. Por volta de 1855, chegaram mais de 300 000 pessoas. Enquanto a maioria dos recém-chegados eram americanos, a corrida ao ouro atraiu também milhares vindos da América Latina, Europa, Austrália e China. Sociedades indígenas inteiras foram atacadas e expulsas das suas terras pelos exploradores do ouro. A agricultura e a pecuária expandiram-se por todo o estado para responder às necessidades dos colonos. São Francisco evoluiu de uma pequena povoação, com perto de 200 habitantes, em 1846, para uma cidade próspera, com perto de 36.000 habitantes, em 1852. Estradas, igrejas, escolas e outras cidades foram sendo construídas por toda a Califórnia. Em 1849, foi adotada uma constituição estadual e, em setembro de 1850, a Califórnia tornou-se um Estado.
Foi extraído ouro no valor de dezenas de milhares de milhões de dólares americanos (no câmbio atual), que conduziram a grandes riquezas apenas para alguns, enquanto muitos dos que participaram na corrida ao ouro, na Califórnia, terem conquistado pouco mais do que tinham inicialmente. O trabalho era árduo, os preços eram elevados e as condições de habitação eram rudimentares. Muitos dos homens que rumaram em direção ao norte da Califórnia chegaram com pouco mais do que as próprias roupas. E assim que chegaram, precisaram de comprar comida e outros bens, que os comerciantes de São Francisco estavam ávidos para vender por um preço abusivo. No auge do boom, em 1849, os exploradores foram confrontados com preços chocantes: um único ovo poderia custar o equivalente a 25 dólares (na cotação atual), uma libra de café custava mais de 100 dólares e um par de botas mais de 2.500 dólares. De facto, foram feitas mais fortunas por comerciantes do que por mineiros. À medida que o boom continuou, mais e mais homens trocaram a caça ao ouro pela abertura de negócios que respondessem às necessidades dos exploradores recém-chegados.
A Corrida ao Ouro diminuiu quando os depósitos de ouro mais viáveis se esgotaram. As povoações que não dispunham de outras atividades económicas viáveis, logo se transformaram em cidades-fantasma. A corrida ao ouro na Califórnia atingiu o pico em 1852, tendo-se esgotado no final da mesma década.
Irá também a “Crypto Rush” terminar até ao final desta década? Quem serão os exploradores aventureiros e quem serão os comerciantes da “Crypto Rush”? Irá transformar a indústria dos serviços financeiros tal como a Corrida ao Ouro transformou a Califórnia?
A bitcoin é intangível, arriscada e incompreensível para muitos. E mostra sinais de ser uma bolha. Alguns argumentam que os ativos criptográficos não são diferentes de um esquema Ponzi clássico, onde um fluxo constante de novos participantes compensa os membros mais antigos. O sucesso do esquema depende desses “tolos” se juntarem à corrida, contribuindo para a subida dos preços. Em última análise, o ouro é uma bolha de 6.000 anos que remonta ao antigo Egito. É provavelmente o único esquema na história financeira que atraiu uma oferta quase infinita de “tolos”.
A criptomoeda tem uma história curta e, ao contrário do ouro, muitas criptomoedas estão a ser criadas, competindo entre si e diminuindo a noção de escassez. Além disso, as criptomoedas não são imunes à ação dos governos (como já aconteceu na China). E nos últimos meses, nos mercados financeiros, tem-se comportado mais como uma ação de tecnologia e não como o ouro.
Assim, o futuro das criptomoedas é ainda especulativo e incerto. Mas não há como negar o poder da tecnologia blockchain, que está aqui para durar.
Artigo publicado originalmente no Jornal de Negócios a 11.05.2022