Existem marcas que, pelo seu posicionamento emocional, congregam à sua volta comunidades de fãs que partilham a paixão que têm por elas.
E fazem-no assumindo comportamentos tribais, usando símbolos de pertença, recordando estórias, celebrando mitos e, em última instância, vivenciando toda essa paixão em encontros e grandes eventos. Marcas como Harley Davidson, Red Bull e Patagonia são exemplos do que acabei de referir. Mas há também o fenómeno inverso - isto é, comunidades que partilham, não uma paixão comum, mas a aversão por determinada marca. Ryanair, McDonald's e Coca-Cola são casos de marcas que sofrem esta espécie de manifestações coletivas de repulsa ou mesmo de ódio.
Sempre que a emoção está presente em alto grau, estes dois tipos de comunidades (de fãs ou de antifãs) podem emergir de modo mais ou menos espontâneo. Uma área propensa a este género de fenómenos é o futebol. Uma rápida pesquisa pelas redes sociais leva-nos a encontrar não só páginas de simpatizantes do FC Porto, Benfica e Sporting, mas também outras que congregam antipatizantes desses mesmos clubes. Páginas cheias de hostilidade, onde o prazer não está nas vitórias do "nosso" clube, mas nos fracassos do "nosso" adversário de estimação.
Outra área onde o mesmo tipo de situação tende a acontecer é a política.
Com efeito, aquilo que por vezes leva os eleitores a votarem em determinado partido ou candidato não é o apreço que têm por ele, mas a aversão que sentem pelo partido ou candidato alternativo. Foi isso que ocorreu em larga escala nas duas últimas eleições presidenciais norte-americanas, bem como na eleição para a presidência do Brasil em 2018 - e, neste caso, tudo aponta para que o mesmo venha acontecer no próximo eleitoral marcado para o final deste ano.
Do ponto de vista do marketing é importante saber lidar com estes fenómenos, hoje em dia largamente potenciados pelas redes sociais. Sei que é uma parte menos bonita, mas muito do que de pior se faz em política gira em torno, não de ideais e paixões, mas de antipatias e ódios, o combustível que dá força e gás ao radicalismo e a movimentos e partidos extremistas.
Não tenho dúvidas de que muitos dos que me leem dirão que a culpa é do marketing sem regras e sem ética. Mas também sei que muitos outros dirão que os marketeers se limitam a ter de lidar com dinâmicas sociais que antecedem e transcendem de largo o campo de atuação do marketing. Uma coisa é certa: quando a emoção é levada a extremos, paixões e ódios tendem a exacerbar-se, deixando de ser meros sentimentos individuais e passando a ser fenómenos coletivos... com frequência de resultados imprevisíveis e indesejáveis.
Artigo originalmente publicado no Dinheiro Vivo a 26.02.2022