Os aeroportos europeus estão cheios de passageiros. E isto começou a acontecer antes do início das férias de verão em muitos países. Com o levantamento da maioria das restrições relativas à pandemia, as pessoas, ávidas por compensar as viagens perdidas nos últimos dois anos, estão a viajar para os seus destinos de sonho. “Revenge travel” (Viagens de vingança) é o nome que está a ser dado a este fenómeno.
A escalada na procura representa uma reviravolta massiva para a indústria da aviação, um dos setores mais atingidos pelos confinamentos do Covid. Segundo o World Travel and Tourism Council (WTTC), as reservas de voo já ultrapassaram os números de 2019 nos Estados Unidos, nos Países Baixos, na Dinamarca e na Alemanha. O WTTC também revelou que Portugal irá ficar apenas a 9% atrás dos níveis pré-pandemia e deverá ser o quarto destino europeu mais procurado este verão.
Assim, depois de um longo período de abstinência, parece que as férias estão no topo da lista de desejos de muitas pessoas para este verão, que estão agora confiantes de que terão a experiência clássica de férias com restaurantes, entretenimento etc., sem terem de se preocupar com as restrições do Covid-19.
No entanto, a rápida recuperação também resultou em novas dores de cabeça para o setor, que ficou surpreso com esta rápida recuperação e que está a ter dificuldades em preparar funcionários suficientes para lidar com o fluxo de passageiros nos aeroportos. A escassez de funcionários e os congestionamentos nos aeroportos levam a longas filas e tempos de espera para passageiros nos principais hubs europeus, como Frankfurt, Londres, Paris e Amsterdão. Os passageiros perdem os seus voos e muitos voos são cancelados.
Caos é a descrição mais adequada dos principais aeroportos europeus nos dias de hoje. No Aeroporto de Schiphol, em Amsterdão, por exemplo, as filas no posto de segurança são intermináveis. No Twitter, um passageiro partilhou que teve de “andar três quilómetros até ao posto de segurança”. Na verdade, as filas de check-in podem prolongar-se até ao exterior do terminal. O aeroporto de Amsterdão chegou até a recomendar aos passageiros que levassem um casaco para a espera no exterior.
Porque é que isto está a acontecer? Companhias aéreas, aeroportos e outros na indústria foram forçados a reduzir pessoal durante a pandemia. Mas com uma recuperação da procura tão rápida estão agora a ter dificuldades em recrutar com a rapidez necessária. E esta situação é agravada pela tendência pós-pandemia de as pessoas se terem tornado mais seletivas em relação aos seus empregos. Além disso, o processo de recrutamento nos aeroportos é especificamente complexo e demorado, pois muitas atividades operacionais ocorrem em áreas restritas de segurança.
Consequentemente, devido à falta de capacidade dos aeroportos, as companhias aéreas não tiveram escolha a não ser cancelar milhares de voos por causa destes constrangimentos. Só a Lufthansa cancelou preventivamente quase 3.000 voos para aliviar o sistema e garantir que os passageiros chegam aos seus destinos no horário previsto. Numa carta enviada aos seus passageiros frequentes (os clientes fiéis) na semana passada, o CEO da Lufthansa, Carsten Spohr, pediu desculpas pelo caos: “Só podemos pedir desculpa. E queremos ser completamente honestos: nas próximas semanas, à medida que o número de passageiros continua a subir, é improvável que a situação melhore. Muitos funcionários e recursos ainda estão indisponíveis. Quase todas as empresas do nosso setor estão a recrutar; só na Europa são necessários alguns milhares. No entanto, este aumento de capacidade só terá o efeito estabilizador desejado no Inverno. Além disso, a guerra na Ucrânia restringe severamente o espaço aéreo na Europa, conduzindo também a constrangimentos nos céus e a mais atrasos nos voos. No verão de 2023, esperamos ter um sistema de transporte aéreo muito mais confiável em todo o mundo...”
E o que é que os governos estão a fazer em relação a esta situação? A Alemanha disse que iria trazer mais trabalhadores temporários para os aeroportos do exterior, principalmente da Turquia, para aliviar a situação durante o pico das férias de verão. Mas os trabalhadores estrangeiros terão que passar pelas mesmas verificações de segurança que os trabalhadores domésticos antes de serem autorizados a trabalhar nos aeroportos. Na Espanha, as longas filas nos aeroportos levaram a polícia espanhola a contratar mais 500 funcionários para os aeroportos mais movimentados, incluindo Madrid e Barcelona. A Iberia disse que os atrasos no controlo de passaportes do Aeroporto de Barajas fizeram com que, desde março, cerca de 15.000 passageiros tenham perdido os seus voos. A Irlanda tem o exército a postos para apoiar na segurança do aeroporto de Dublin em caso de mais interrupções durante o verão. No mês passado, e num só dia, mais de 1.000 pessoas perderam os seus voos por causa das longas filas.
E, em Portugal, o governo está a reforçar o pessoal no controlo de fronteiras nos seis aeroportos para lidar com o grande aumento de passageiros. Face aos constrangimentos que se têm verificado nos aeroportos, sobretudo em Lisboa, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), com o apoio operacional da Polícia de Segurança Pública (PSP), vai implementar duas novas medidas. Haverá mais 25 inspetores do SEF nos aeroportos de Lisboa e do Porto e os passageiros que chegam a Portugal vindos dos Estados Unidos da América (EUA) e do Canadá passam a utilizar as portas tecnológicas de controlo de fronteira, uma medida agora alargada aos aeroportos do Porto e de Faro.
Poderá levar um ano para voltarmos às viagens aéreas normais. Assim, neste verão é melhor escolher o seu destino de férias com prudência e evitar voar, se possível. Mas se decidir voar, partilho a seguir algumas sugestões:
• Verifique os sites dos aeroportos e das companhias aéreas com, pelo menos, um dia de antecedência, pois alguns aeroportos publicam informações sobre os níveis de aglomeração ou outros constrangimentos.
• Chegue uma ou duas horas mais cedo do que o habitual. Embora as companhias aéreas recomendem chegar duas horas mais cedo para um voo internacional, é melhor apontar para três ou quatro horas neste verão. Até as vias rápidas (Fast Track) para passageiros de classe executiva estão a demorar mais do que o normal.
• Se puder, leve apenas bagagem de mão. A bagagem de porão poderá perder-se.
• Reserve os voos com bastante tempo para as ligações. Se voar para fora do espaço Schengen, considere a imprevisibilidade dos tempos de espera no controlo de passaportes.
Apesar dos constrangimentos e da falta de pessoal, o setor espera lucrar com a onda de "revenge travels". As expectativas são elevadas e apontam para o melhor verão de sempre, pois as pessoas querem voar para os seus destinos de sonhos depois de dois anos de pandemia. Mas os passageiros devem preparar-se para os inconvenientes. Greves e falta de pessoal podem não contribuir para a experiência que tanto sonham. O sonho poderá transformar-se em pesadelo.
Artigo publicado originalmente no Jornal de Negócios a 06.07.2022