No seu mais recente livro, "The Economic Weapon: The Rise of Sanctions as a Tool on Modern War", Nicholas Mulder constata que as sanções económicas dominam a política mundial. Tendo sido inicialmente desenvolvidas para defender o internacionalismo liberal, as sanções económicas acabam por se basear nas “técnicas devastadoras” da guerra que pretendem evitar.
O foco do debate sobre as sanções centra-se no impacto na economia e na real eficácia de limitar a máquina de guerra russa, num processo que já teve o seu início em 2014 — na sequência da anexação da Crimeia — e que acaba por traduzir um esforço ocidental em demonstrar que se encontra unido contra a invasão. Não podemos, no entanto, proceder a uma análise simplista em que o conflito entre a Rússia e o Ocidente se resolveria, retirando Vladimir Putin do poder. Devemos estar preparados para que a crise se mantenha mesmo para além de um cessar-fogo na Ucrânia e para que as sanções mantenham restrições a longo prazo.
Embora sem serem os promotores do conflito (mesmo considerando as teses do realista J. Mearsheimer), os Estados Unidos da América estão entre os grandes ganhadores desta guerra. Retiram dividendos múltiplos, que lhes permitem, ainda, concentrarem-se na competição global com a China – o único competidor que possui capacidade e poder crescente para reorganizar a ordem internacional a seu favor. O objetivo de contrariar o controlo chinês sobre algumas das indústrias mais importantes levou a administração Biden a promover uma política protecionista expressa, entre outras medidas, no Inflation Reduction Act. Este programa, entre proteções e apoios internos à descarbonização, incentiva também as empresas europeias a deslocalizarem-se para a América do Norte. Não sendo totalmente uma surpresa face a outros momentos protecionistas dos Estados Unidos da América no passado, é uma medida pouco amigável dos aliados no atual contexto – bem-vindos à realpolitik…
Quanto à União Europeia, foi essencial que a primeira resposta à invasão da Ucrânia fosse rápida e firme. Todavia, seria igualmente bom assegurar uma “autonomia estratégica” que não colocasse a União Europeia numa posição sensível. Com todos os indicadores económicos a transmitirem preocupação – inflação, desemprego, fraco crescimento, quebra da confiança dos consumidores e sinais de recessão –, é a questão energética que mais centra as atenções (no caso do gás natural, o custo na Europa é quase ao quádruplo dos Estados Unidos da América e da gasolina sensivelmente o dobro). Sendo o 9º pacote de sanções o mais efetivo que a União Europeia adotou, pode, no entanto, agravar a situação da sua própria economia, em particular para alguns setores mais expostos aos efeitos da guerra, e colocar os Estados Unidos da América, mas também a China, a Índia e outros numa posição mais vantajosa.
Não tendo prestado o devido cuidado ao risco geopolítico que constituía a Rússia de Putin, a União Europeia ignorou os quatro passos de “Gestão de Risco”: Compreender, Analisar, Mitigar e Responder (Rice e Zegart). Preocupada com a recuperação pós-pandémica e com o “decoupling” das cadeias de abastecimento, a União Europeia deixou-se enredar numa particularmente perigosa dependência energética da Rússia. A mitigação, que já deveria ter sido preparada e deveria estar em execução, reduzindo a exposição e limitando os danos, deverá ser orientada com celeridade para riscos futuros acrescidos.
Mas, nesta fase, será no campo da resposta que se impõe um particular foco. Com uma parte das sanções a serem ignoradas por outros players (desde logo, a China e a Índia, mas também a Turquia e outros), a União Europeia necessita de manter a pressão, mas sem criar uma posição de desvantagem económica significativa. Como referiu Macron, numa entrevista prévia à sua visita aos Estados Unidos da América, em inícios de dezembro, há um risco de desindustrialização da Europa, enfraquecendo-a, o que naturalmente não é do interesse europeu, mas também não é do interesse dos próprios Estados Unidos da América, devido à sua competição com a China.
Como respostas, a longo prazo, a União Europeia terá de empreender uma transformação muito ambiciosa e complexa na energia. Implica substituir as atuais energias fósseis pelas renováveis e promover um mercado da energia aberto, que favoreça a sua afirmação internacional e a adaptação às mudanças geopolíticas dm curso. No curto prazo, deverão ser promovidos também ajustamentos no gás natural, através processos negociais integrados e complementares e assegurando o acompanhamento e apoio à economia europeia, em especial às suas empresas e indústria (nesta altura, os Estados-membros já gastaram 0,9% do seu PIB na mitigação do impacto do aumento dos custos energéticos).
Por último, há sinais de que as sanções começam a causar impacto na capacidade militar da Rússia, mas a União Europeia deverá ter uma atitude pragmática eficaz para não ser envolvida num turbilhão geopolítico e geoeconómico que a fragilize de forma irrecuperável. A “utopia” europeia tem que encontrar o seu caminho neste contexto mundial turbulento. Isso passa por manter-se firme nos seus valores, mas também por identificar, por antecipação, riscos geopolíticos e prosseguir políticas que os mitiguem em sintonia com os seus interesses estratégicos próprios.
Artigo de José Jorge, José Pedro Teixeira Fernandes e Jorge Domingues, codiretores do programa Risco Geopolítico e Estratégia para Executivos.