Frequentemente ouvimos a palavra humanização, seja em contexto social, de saúde ou de trabalho. Confesso que me arrepio… e me pergunto, onde foi que nos perdemos? Movemo-nos para resgatar a dimensão humana em atividades e relações onde sempre estivemos, mas que se tornaram impessoais e desumanas.
Na área do trabalho, a humanização pretende construir relações mais igualitárias, justas e participativas entre colaboradores e gestores, ao invés de priorizar apenas a produtividade ou o lucro.
O triunfo da meritocracia como ideal social foi um ponto de viragem na história da humanidade. Antes das ideias filosóficas do Iluminismo, no século XVIII, a maioria das sociedades eram estratificadas de maneira elaborada e rígida, tanto na monarquia em Inglaterra, como na ordem Imperial da China. Nestes regimes, a grande maioria dos seres humanos – camponeses, servos e escravos – tinham pouca esperança de melhorar a sua posição.
Preconceito e pobreza ainda impedem milhões de indivíduos de alcançarem o seu potencial. Mas ao contrário dos pré-Iluministas, vemos isso como uma falha lamentável, não como algo decidido pelo destino.
A humanização surge como um movimento que procura resgatar a dimensão humana e nos finais do século XX, o conceito chega ao mundo do trabalho, com a crescente preocupação com a qualidade de vida das pessoas e a necessidade de conciliar produtividade e bem-estar. Foi no Japão, com a adoção de práticas de gestão participativas, valorização das pessoas e melhoria continua dos processos, que o conceito ganhou expressão na década de 80. As práticas japonesas rapidamente inspiraram empresas em todo o mundo.
A globalização, a automação e a informatização fizeram o resto, tornando a humanização do trabalho cada vez mais relevante. Porém, com a crescente precarização e flexibilização do trabalho e especialmente a pandemia COVID 19, o tema tornou-se cada vez mais central nas discussões sobre gestão, responsabilidade social corporativa, equilíbrio e bem-estar.
As pessoas são seres humanos com necessidades, emoções e valores. É por isso crucial uma gestão mais participativa, que valoriza o diálogo, a cooperação e a diversidade, um conjunto de práticas, políticas e valores que tornem o contexto de trabalho mais humano, acolhedor, empático e justo.
É reconhecido, que os modelos de avaliação de desempenho, ainda presentes em muitas organizações, em nada contribuem para a desejada humanização do contexto de trabalho. Avaliações baseadas apenas em números ou métricas, serão certamente limitadas e não refletem a complexidade e singularidade de cada pessoa.
Por mais que possamos lutar para ser objetivos sobre as nossas próprias capacidades, pontuamos ainda pior quando se trata de julgar as competências dos outros.
São três os fatores que sabotam a nossa habilidade para avaliar os outros de forma confiável, primeiro, alguns de nós são exigentes a classificar, enquanto outros são consistentemente generosos. Em três estudos realizados entre 1998 e 2010, e apresentados pela HBR em 2015, gestores, pares e subordinados foram convidados a classificar o desempenho dos seus colegas. Em média, mais de 60% da variação nas classificações poderia ser rastreada pelo estilo de avaliação dos avaliadores.
Outra distorção vem do facto de tendermos a classificar melhor aqueles que são mais como nós. Por mais que desejemos o contrário, temos muita tendência para dividir o mundo em “nós” e “eles”, nativos vs emigrantes, conservadores vs liberais.
Há um outro viés cognitivo que leva a erros de julgamento, o efeito do halo e do horn. Temos necessidade de mapear rapidamente o contexto e quem dele faz parte e para tal julgamos apressadamente, muito baseados nas primeiras impressões, sendo que, estas opiniões iniciais são resistentes à mudança, mesmo diante de novos dados.
Na verdade, o investigador David Schoorman identificou que, o fator que mais impacta na avaliação de desempenho de um colaborador, é o facto de a pessoa que está a fazer a avaliação, ser a mesma que o recrutou.
Simplificando, num estudo realizado pela Corporate Executive Board em 2015, 77% dos gestores de pessoas admitiram que os métodos típicos de avaliação, não medem com precisão as capacidades dos colaboradores e as suas contribuições.
Os gestores de pessoas reconhecem a necessidade de rever a gestão de desempenho e as correções sugeridas são: abandonar classificações forçadas, tornar o processo digital, avaliações mais amplas que envolvam diferentes pares e gestores e feedback permanente.
Há caminho para efetuar mudanças neste processo que afeta todos os outros: a gestão de desempenho ajuda a melhorar o desempenho dos colaboradores, se houver feedback contínuo e a possibilidade de direcionar o trabalho, se necessário for, para atingir metas e objetivos. Desse modo, a satisfação e a produtividade aumentam, ao mesmo tempo que inevitavelmente surgem melhores resultados para a organização.
Por outro lado, a gestão de desempenho possibilita a promoção de uma cultura de desempenho, onde as pessoas são incentivadas e motivadas a melhorar o seu desempenho e a alcançarem aquele que é o seu propósito. Irremediavelmente, o reflexo será uma equipa mais envolvida, motivada e produtiva.
É também de referir a possibilidade de alinhamento do desempenho individual com os objetivos estratégicos da organização, a concretização do trabalho na direção desejada e a identificação de áreas de melhoria e desenvolvimento de habilidades, que possibilitam a concentração dos esforços de desenvolvimento em áreas que precisam de mais atenção.
Onde foi que nos perdemos? Somos seres da “falta” – o que gera movimento – vamos atrás do que queremos, procuramos pertencer, ser vistos, deixarmo-nos tocar e tocar o “outro”. Ninguém existe sozinho, procuramos a completude, porque só assim chegaremos à humanitude.
Quando os colaboradores “comuns” têm hipótese de aprender, crescer e contribuir, alcançarão resultados extraordinários.
Artigo de Cândida Santos, Diretora do programa para executivos Novos Modelos de Gestão de Desempenho e especialista em Gestão Estratégica de Pessoas.