Vivemos tempos desafiantes. Depois da crise das dívidas soberanas, do vírus que nos caiu em cima e que teima em permanecer, do Brexit e dos realinhamentos geopolíticos decorrentes da tensão entre os EUA e a China, temos agora uma guerra na Europa que ainda não sabemos quando nem como vai acabar. E tudo isto tendo como pano de fundo o combate às alterações climáticas com todas as consequências económicas que a transição energética acarreta.
Do ponto vista dos negócios, este panorama conduz a disrupções nas cadeias de abastecimento e a aumentos de preços. Para além de terem de lidar com estes dois fenómenos, as empresas vão ainda ter de se adaptar ao aumento das taxas de juro. Aliás, não são só as empresas - são também as famílias e o próprio Estado. O que significa que esta não é boa altura para grandes endividamentos, pois a pressão sobre a liquidez decorrente do aumento do custo do capital poderá conduzir a situações de insolvência inesperadas.
Mas voltemos à questão da incerteza e atrasos nos abastecimentos de matérias-primas e componentes, designadamente de semicondutores, petróleo e gás, cereais e ainda certos metais como o níquel e o alumínio. Para dar resposta a estes desafios, as empresas precisam, mais do que nunca, de marketing para comprar.
Mas então o marketing não se aplica só às vendas? Tradicionalmente, sim. No entanto, pode também ser utilizado noutros domínios da gestão, mormente no âmbito dos recursos humanos (o chamado marketing interno) e, como acabei de sugerir, também no domínio dos aprovisionamentos. Esse marketing das compras deve-se estruturar em torno de três eixos.
Em primeiro lugar, há que dividir o mercado dos abastecimentos em clusters de fornecedores de acordo com critérios que sejam relevantes para a política de compras. Sem entrar em demasiados detalhes, a localização geográfica é um critério cada vez mais relevante, pois é um fator a tomar em consideração na gestão do risco do abastecimento. Isto para não falar em clusterização pelo preço, sofisticação tecnológica ou serviços associados.
Depois, tal como no marketing das vendas, há que definir de modo claro uma "proposta de valor" - isto é, quais as características distintivas e únicas daquilo que se pretende adquirir. Se as empresas não o fizerem arriscam-se a perder competitividade por uma razão simples: quem compra mal dificilmente venderá bem.
Em terceiro lugar, há que desenvolver um "marketing mix das compras" a três níveis: produto, preço e acessibilidade.
O primeiro tem a ver com tudo aquilo que se prende com os atributos funcionais do produto a adquirir bem como dos serviços complementares que o fornecedor possa oferecer. O segundo refere-se aos aspetos económicos da transação, os quais, para além do preço propriamente dito, compreendem os descontos e as condições de pagamento. A acessibilidade diz respeito à disponibilização do produto em termos de localização, prazo de entrega e condições de transporte e armazenamento.
Sem querer exceder o espaço que aqui me é reservado, estes são os mínimos de uma estratégia de marketing das compras. Mas pode-se ir mais além, nomeadamente através do eventual estabelecimento de relacionamentos duradouros com fornecedores de modo a que estes sejam também geradores de capacidades dinâmicas, designadamente ao nível do acesso a novas tecnologias e mercados e, em última instância, potenciadores de inovação e diferenciação.
Termino este artigo como o comecei: vivemos tempos desafiantes. Se, com base nas linhas que acabei de escrever, o leitor retirar uma breve sugestão que venha a melhorar a eficácia ou a eficiência do seu negócio, posso afirmar que já ambos ganhámos o dia.
Artigo originalmente publicado no Dinheiro Vivo a 21.05.21