A guerra na Ucrânia representa, acima de tudo e como toda e qualquer guerra, um drama humanitário - para os que se encontram na frente de combate assim como para os milhões de civis inocentes que a única coisa que desejam é não ter de viver este conflito.
Além disso, a invasão russa provocou a maior crise geopolítica na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, a par do forte travão numa economia que estava finalmente a recuperar da pandemia que, convém assinalar, ainda não acabou.
Sobre tudo isto muito se tem escrito e comentado. Menos abordado é o choque na vida das empresas e a necessária resposta ao nível da sua gestão. Este artigo tem como objetivo colmatar esta lacuna.
A guerra tem três efeitos imediatos no âmbito dos negócios: perda de mercados, dificuldades de abastecimento e aumento de preços. Para um país como o nosso, a perda dos mercados russo e ucraniano representa uma quebra das exportações na casa dos 200 milhões de euros anuais. Não sendo mais do que uma pequena fração do total do nosso comércio externo, a verdade é que há setores e empresas para quem aquela perda não é negligenciável, como é o caso da moda e dos vinhos.
Mas a maior dificuldade sentida pelas empresas prende-se com os abastecimentos. Ucrânia e Rússia encontram-se entre os maiores exportadores mundiais de commodities, que vão desde o gás e o petróleo até a uma vasta gama de metais (como o níquel e o alumínio, fundamentais para muitas indústrias), passando por produtos agrícolas essenciais como o milho e os óleos vegetais. Deixar de contar com os fornecimentos desses dois países faz com que muitas empresas estejam à beira do colapso por falta de matéria-prima.
A tudo isto se soma a aceleração da tendência inflacionista que já vinha de trás. O aumento dos preços da energia é de momento o mais visível, mas tudo o resto será enormemente afetado. Acabou de ser noticiado que Espanha está com uma inflação de 7,6%, o valor mais alto dos últimos 35 anos. Como é óbvio, o nosso país não está imune a essa pressão inflacionista, pelo que a curto prazo teremos um aumento de preços desse nível ou mesmo superior. E, como se isto não bastasse, a inflação conduz ao aumento das taxas de juro. Apesar das cautelas do BCE e do FED, a verdade é que elas vão subir, o que terá consequências muito negativas na liquidez dos agentes mais alavancados, sejam as famílias, as empresa ou o próprio Estado.
A pergunta que se coloca é: o que deve fazer quem tem de gerir empresas? Cumpre realçar que se trata de lidar com um contexto para o qual, felizmente, os nossos gestores e economistas não têm grande experiência. Todavia, ficam desde já três sugestões.
Em primeiro lugar, há que fazer um mapeamento global e integrado das cadeias de abastecimento, pois pode haver fornecedores que, não sendo oriundos daqueles dois países, acabam por depender deles indiretamente em segundo ou terceiro nível de abastecimento. Identificar debilidades e eventuais pontos de rutura é o primeiro passo para evitar falta de matérias-primas.
Depois, é necessário apostar numa cuidada gestão do risco. Sei que o aumento de preços da energia e dos transportes está a ser assassino para muitas unidades económicas. Mas, para além de gerir o aumento dos custos, há que reforçar a flexibilidade estratégica, tentando diversificar fontes de abastecimento.
Por último, há que apostar numa gestão por cenários. Ninguém sabe como a guerra vai evoluir e muito menos acabar - o que significa que fazer previsões económicas a meia dúzia de meses pode ser um exercício de mera futurologia. Em contextos deste tipo, não se trata de ter um plano B para o caso de as coisas não correrem como o previsto. Trata-se sim de construir diferentes cenários e ir "navegando à vista" em função da evolução dos acontecimentos, não só no teatro de guerra mas também ao nível das decisões (e não decisões) das autoridades políticas e financeiras.
Os tempos são difíceis, o que exige que cada um dê o seu melhor. As imagens da televisão mostram como o povo ucraniano está a resistir à agressão. E mostram também como as nações vizinhas estão a receber os refugiados que depois podem seguir para outros países como Portugal. Nada disto é fácil e não há receitas. Mas uma coisa é certa: não é possível continuar a gerir as empresas (ou, pelo menos, muitas delas) como vinha sendo feito até há duas semanas atrás.
Artigo originalmente publicado no Dinheiro Vivo a 12.03.2022