Num regime democrático, o marketing político deve servir (e realço a palavra "deve" pois infelizmente nem sempre é o caso) para duas coisas: atrair simpatizantes para as causas defendidas por cada partido e criar valor económico e social envolvendo esses mesmos apoiantes em processos de mudança que deem resposta aos desafios que se colocam ao país, região ou cidade.
Dentro deste âmbito, o marketing eleitoral assume uma vertente mais tática, pois aquilo que pretende é transformar simpatizantes em eleitores efetivos, sendo o sucesso da campanha medido pelo grau de adesão nas urnas.
As eleições do passado dia 30 janeiro evidenciaram a importância do marketing, tanto na sua vertente política (isto é, mais estratégica) como eleitoral (isto é, mais operacional). Neste contexto merecem destaque cinco grandes conclusões.
1. Sondagens. Nestas eleições as sondagens não foram apenas estudos de mercado que serviram para captar a opinião do eleitorado num dado momento. Mais do que isso, foram elas próprias agentes de mudança de atitudes e comportamentos. Não vou embarcar na versão conspirativa afirmando que houve um complô entre as empresas de sondagens para beneficiar determinados partidos em detrimento de outros. Não, não vou por aí - mas a verdade é que a frequência com que os resultados das sondagens foram divulgados acabou por influenciar as opções de uma vasta camada de eleitores, designadamente os indecisos e alguns abstencionistas crónicos, mas que está longe de se resumir a estes.
2. Orientação para o mercado. Esta expressão, muito usada na área de marketing, reflete uma postura empresarial em que a gestão da oferta se faz tendo por base as necessidades e expectativas dos clientes. O que aconteceu nas eleições de janeiro foi que os partidos que foram mais rápidos a ler os resultados das sondagens e, consequentemente, a adaptar as suas táticas em função das "necessidades e expectativas" dos eleitores foram aqueles que tendencialmente tiveram melhor performance relativa nas urnas. Isto não significa que os partidos devam fazer tudo o que os "clientes-eleitores" querem ouvir - significa tão-somente estar atento aos sinais que aqueles transmitem e adaptar as suas propostas e respetiva estratégia de comunicação.
3. Marcas pessoais. Para além das marcas partidárias, os seus próprios líderes representam marcas pessoais que influenciam decisivamente o comportamento dos eleitores na altura de colocarem uma cruz quando se encontram dentro da cabine de voto. Sem me alargar com análises detalhadas (que transcenderiam o espaço que aqui me é reservado), vou centrar-me nas marcas dos líderes dos dois principais partidos. Qualquer marca (seja comercial, institucional, política ou outra) posiciona-se com base em duas grandes categorias de apelos: racionais e emocionais. Acontece que a "marca Costa" trabalhou bem estas duas vertentes, em particular a segunda; já a "marca Rio" assentou a sua proposta de valor quase em exclusivo na base de argumentos racionais. Ao deixar de lado a componente emocional, Rui Rio apostou todas as fichas na componente racional - o que, podendo refletir uma posição de enorme honestidade intelectual, o deixou, no entanto, numa situação menos favorável pois a política foi, é e será sempre um campo fértil para apelos emocionais. Por uma razão simples: porque mexe com a vida das pessoas.
4. Marketing do medo. Uma das áreas em que António Costa se mostrou mais eficaz (em particular na segunda semana da campanha eleitoral) foi a lidar com um dos sentimentos com maior impacto nas atitudes e comportamentos de qualquer pessoa: o medo. Saber gerir o medo de terceiros é uma importante arma no âmbito do marketing eleitoral pois leva os "clientes-eleitores" a votarem em determinado partido, não porque gostem dele, mas porque não querem que o partido da oposição ganhe. E aqui Costa foi mestre ao acenar com dois medos: o medo da extrema-direita e o medo da troika. Face a isso, Rui Rio devia ter adotado uma postura de keep it short and simple: em primeiro lugar, dizer de forma inequívoca que "com o Chega, nunca!"; e, em segundo lugar, dizer que ele não tem nada a ver com Passos Coelho e que o programa de austeridade da troika foi em larga escala negociado pelo PS de Sócrates. Ora Rio, não tendo sido capaz de passar estas duas mensagens de forma simples e clara, deixou-se enredar em argumentos intelectualmente honestos mas pouco evidentes para os eleitores.
Foi porque soube gerir bem o medo que Costa contribuiu de forma decisiva para polarizar no PS o eleitorado à esquerda e fragmentá-lo à direita.
Aliás, ao alterar radicalmente o seu discurso na última semana da campanha, retirou do top of mind dos eleitores o terceiro "medo" dos portugueses: o receio subliminar que ainda parecem ter em relação às maiorias absolutas.
5. Tribos. No mundo do marketing, há marcas que congregam à sua volta comunidades de consumidores que não só têm uma forte ligação emocional a elas, como também gostam de partilhar em grupo (isto é, com a sua tribo) essa paixão que os une. Harley Davidson, Apple e Lego são exemplos de love brands que geram à sua volta esse tipo de comunidades. No contexto político isto também acontece. Em Portugal, o partido tradicionalmente mais tribal é o PC - por isso, apesar da sua ortodoxia e de os seus congéneres europeus já terem há muito desaparecido, mantém uma resiliência notável como bastião do velho marxismo-leninismo. O que não impede, todavia, de estar condenado a desaparecer, com resultados eleitorais tendencialmente mais insignificantes. A novidade destas eleições foi outra pois prendeu-se com a ascensão à terceira posição do ranking do Chega, um partido também fortemente tribal. Com uma diferença: enquanto os comunistas partilham a sua paixão pelo partido em comícios, adesões a greves, manifestações de rua e na Festa do Avante, os radicais do Chega fazem-no essencialmente através das redes sociais.
O que, sendo tecnologicamente mais sofisticado e menos visível, faz com que haja a "surpresa" de resultados inesperadamente positivos.
O que acabei de escrever não explica tudo. Não pretende representar mais do que um contributo de uma visão de marketing em relação ao que aconteceu. E nem vale a pena dizer que os sinais eram evidentes porque o grande resultado - a maioria absoluta do PS - estava totalmente fora das previsões. Mas uma coisa é certa: o marketing político e eleitoral é demasiado importante para ser entregue a amadores.
Artigo originalmente publicado no Dinheiro Vivo.