Em dezembro de 2004 a Bravo TV, canal de cabo nos Estados Unidos, estreava um reality show absolutamente insuspeito de poder ser bem-sucedido, o Project Runway.
O programa dedicava-se a colocar em competição promissores designers de moda em múltiplos desafios e em ambiente de forte pressão. O seu ritmo frenético era uma marca distintiva, assim como, a estética dramática, a apresentação de Heidi Klum, a presença de Michael Kors no júri e a participação do mítico Tim Gunn. Tim Gunn era o mentor dos participantes, que desafiava e pressionava abundantemente com uma frase irascível repetida: “Make It Work!”.
“Make It Work!” é certamente a frase mais repetida nas Board Rooms por CEOs e COOs sobre a implementação de Analítica Avançada, Machine Learning e Inteligência Artificial nas suas empresas. Em vários estudos é notória a frustração dos mais proeminentes Boards mundiais com o grau de concretização dos seus programas de “Compete on Analytics” ou “AI First”. Um desses estudos é o artigo da Harvard Business Review (HBR) “Companies are Failing in their Effort to Become Data Driven” que tem um título autoexplicativo.
Mais concretamente, este estudo revela que a percentagem de empresas que se qualifica como data driven tem decrescido nos últimos anos, um resultado contraintuitivo e, provavelmente, frustrante para essas empresas. Mais impressionante ainda é o facto de este número de empresas que se qualifica como data driven rondar os 30%, apesar de 92% dos respondentes revelar que tem incrementado o nível de investimento em Big Data e Inteligência Artificial.
Quando procuramos compreender as razões para estes resultados percebemos que 93% dos respondentes identificam as pessoas e os processos empresariais instituídos como os grandes obstáculos à recolha dos resultados pretendidos pelo investimento tecnológico em Analítica Avançada e Inteligência Artificial.
Trata-se de um sublime paradoxo, perante um desafio tecnológico de tão significativo investimento, disrupção e oportunidade, são as pessoas o principal elemento crítico. O artigo remata com a conclusão de que mesmo em empresas de referência e de grande dimensão, existiu uma subestimação dramática da dificuldade das mudanças culturais associadas a estes processos tecnológicos emergentes.
Vários autores têm aplicado o seu esforço a descodificar este paradoxo e a dar-lhe uma solução. Destacaria o extraordinário Thomas Davenport com o artigo da HBR “AI for the Real World” e o inspirador Andrew Ng, também na HBR, com “How to Choose your First AI Project”.
Thomas Davenport refere que é comum às empresas caírem numa armadilha nos seus programas de adoção de AI, a “Moonshot Trap”, efetuando avultados investimentos tecnológicos em grandes projetos extremamente longos e com resultados incertos. Como contraponto, Davenport salienta que o processo de adoção tecnológico não pode ser tão longo e não pode tomar tanto risco. Precisa, sim, de ser muito mais gradual, mais orgânico e de ser muito menos tomador de risco descontínuo e que, na maior parte das vezes, é manifestamente contraproducente para o objetivo final da empresa.
Da mesma forma, Andrew Ng sublinha a importância da escolha dos primeiros projetos de Inteligência Artificial. Estabelece alguns princípios com o objetivo de gerar uma credibilização sucessiva destes projetos tecnológicos na organização. O princípio de “Start Small”, por exemplo, é extremamente importante para as empresas. Estes projetos iniciais, designados de piloto, são definidores de uma aprendizagem organizacional excecional, que é muito mais importante do que investimentos tecnológicos volumosos.
O que estes 3 artigos revelam é que existe uma espécie de duplo algoritmo para uma estratégia de Inteligência Artificial numa organização ser bem conseguida. Por um lado, existe o algoritmo tecnológico que necessita de computação e matemática. Por outro lado, existe também o algoritmo humano que requer um processo de aprendizagem sucessiva, de descodificação organizacional e de evolução cultural, primeiramente contínua e depois disruptiva. Quando olhamos retrospetivamente, são as empresas que dominam o segundo algoritmo que prosperam neste contexto tecnológico.
Em síntese, o que resulta claro é que toda a envolvente tecnológica da Analítica Avançada, do Machine Learning e da Inteligência Artificial é extremamente atraente e, em muitos casos, fascinantemente distrativa. Tendo em conta isso, a sua execução em escala e com impacto numa empresa é fundamentalmente um problema de gestão. É neste problema de gestão, nas suas várias vertentes, que se foca o programa Analytics for Executives.
O Project Runaway viveu segundo o seu próprio lema de “Make It Work!” e passou de um piloto manifestamente tentativo a um sucesso extraordinário. Venceu um Peabody Award em 2008, está neste momento na sua 20ª temporada, deu origem a 6 spin-offs e a 30 adaptações internacionais, na Austrália, na Mongólia, na Jamaica, na Arábia Saudita, no Vietname e mesmo em Portugal, só para referenciar alguns dos países e ilustrar o seu perímetro de influência cultural. Neste momento não conta nem com Tim Gunn, nem com Heidi Klum, nem com Michael Kors, mas, por esta altura, o seu trabalho está feito.
Artigo de Pedro Brandão, codiretor do programa Analytics for Executives.