Existe uma tribo no sul de África com um costume verdadeiramente belo. Quando alguém se comporta de maneira errada, os membros da tribo levam essa pessoa ao centro da sua aldeia e rodeiam-na. Durante dois dias recordam a essa pessoa todas as coisas boas que ela já foi. Esse costume é conhecido como Sawabona e Shikoba. "Sawabona" significa "eu tenho-lhe respeito e você é importante para mim". Manda a tradição que a pessoa responda "Shikoba", que quer dizer "eu sou bom e eu existo para si"
Já conferiu, no bilhete online que deve ter acabado de receber no email, qual o seu lugar na plateia?
Preste especial atenção a estas 3 observações:
- O bilhete foi pode ter ido para o Spam da sua caxa de correio;
- Pode-lhe ter sido atribuído um lugar de visibilidade reduzida, mesmo que tenha reservado o camarote
- Poderá ter indicação de mais que uma pessoa alocada ao seu lugar (sim, poderá ter de ficar ao colo de alguém ou o contrário).
Se já foi à sua caixa de email e não tem lá nada, já somos dois! Também não recebi e, por isso, também ainda não percebi qual é o meu lugar neste espetáculo de data e hora indefinida. Conforta-me saber que não sou o único. O serviço de apoio ao cliente, onde quer que ele seja, está inundado de reclamações semelhantes.
De uma coisa eu tenho a certeza. Há um lugar que é só meu (eu sei porque já o reservei, ainda que não me lembre quando) e ninguém o pode ocupar. O seu também não.
Já deve ter percebido qual é o espetáculo que está em cartaz aqui. Sim, trata-se mesmo do nosso quotidiano e desta longa metragem que é a vida.
Claro que aqui não somos propriamente espetadores, pelo contrário.
Ocupamos o papel principal, mas observamo-lo agora como um ator assiste à sua representação na première para ver o resultado do seu trabalho (e, verdade seja dita que, para o efeito deste artigo, acaba por dar mais jeito que se mantenha a analogia do lugar da sala).
Cada um tem o seu lugar neste mundo, mas, passamos a maior parte da vida a querer ocupar a cadeira do lado e, muitas vezes, não chegamos sequer a descobrir o nosso.
O inconformismo é transversal às sociedades e até natural ao ser humano.
Vivemos numa sociedade de estereótipos e passamos a maior parte do tempo a tentar ser igual ao nosso par. Importa, acima de tudo, o sentido de pertença e isso passa, muitas vezes, por copiar o que os outros fizeram, aqueles que admiramos por terem um lugar de destaque.
No entanto, estar à procura do lugar que nos pertence enquanto estamos com atenção ao bilhete do lado é, no mínimo, inútil. Só nos começamos a aproximar dele quando assumimos a nossa existência plena, com os erros e as virtudes que acarreta, ao invés de nos definirmos pelo do lado.
O nosso lugar começa a tomar forma quando somos autênticos, cantamos no nosso próprio tom, dançamos ao nosso ritmo ou desenhamos com as nossas cores. Quando paramos de olhar para o lugar dos outros e, principalmente para os que já estão sentados no lugar certo. Se admiramos esses que chegaram primeiro e estão comodamente instalados, é porque eles construíram um caminho para lá estar.
Invejamos inconscientemente aqueles que são felizes e bem-sucedidos no lugar que ocupam, não porque queríamos ser igualmente bons numa determinada área ou tarefa, mas porque tudo o que queremos na vida é encontrar o nosso lugar, o nosso espaço de conforto. A felicidade genuína, despreocupada e assumida que só se sente quando encontramos o lugar que nos pertence e conseguimos parar de querer estar mais à frente, atrás, ao lado, acima…
A igualdade pode ainda não existir nos conceitos da identidade de género, raça, profissão e muitas outras áreas da sociedade, mas aqui, no que diz respeito ao sentido de pertença, todos somos iguais. Todos temos um lugar no mudo que está reservado em exclusivo para nós. Pode-nos diferenciar o lugar que ocupamos, mas que todos temos um, disso não há dúvida.
Quando todos o encontrarmos, dar-se-ão mudanças impressionantes na sociedade. Quando deixarmos de ter pessoas sensíveis a ser geridas por chefias frias; quando deixarmos de ter artistas em funções burocráticas, especialistas em direito do trabalho e processamento de salários como Chief People Officers ou quando assumirmos coisas óbvias como o facto de que os cuidadores não podem estar longe das pessoas vamos tornar este mundo num lugar incrível.
As regras do “jogo” deste espetáculo são simples: quem já encontrou o seu lugar não pode sair de lá. Pode mover-se entre outros lugares que estão mais para um lado ou para outro, mas não pode abandonar aquela fila / aquele setor. Não é só uma questão de obrigação e bem-estar individual, mas é, acima de tudo, porque, ao fazê-lo, está a permitir que as outras encontrem mais facilmente os seus respetivos lugares e tudo se comece a encaixar ordenadamente como as peças de um lego.
Uma peça posicionada corretamente, no lugar certo, serve de referência para as demais peças. Assim, é fácil perceber como é que, ao desempenharmos o nosso papel, ao sermos autênticos, estamos, sem esforço, a ajudar naturalmente os outros.
NOVOS TEMPOS, NOVOS VALORES | SAWABONA E SHIKOBA
Existe uma tribo no sul de África com um costume verdadeiramente belo. Quando alguém se comporta de maneira errada, os membros da tribo levam essa pessoa ao centro da sua aldeia e rodeiam-na. Durante dois dias recordam a essa pessoa todas as coisas boas que ela já foi. Esse costume é conhecido como Sawabona e Shikoba. "Sawabona" significa "eu tenho-lhe respeito e você é importante para mim". Manda a tradição que a pessoa responda "Shikoba", que quer dizer "eu sou bom e eu existo para si".
A penalização aqui é substituída pela compaixão, compreensão e, acima de tudo, dedicação pelo outro que é aquele que não queremos ver errar novamente ou tornar-se mau. O reconhecimento do bom caráter é como se manifesta, neste contexto, o amor pelo próximo.
Que este tempo de isolamento e solidão que nos foi imposto por circunstâncias atípicas nos tenha servido de introspeção e proporcionado uma autodescoberta de nós próprios, para que consigamos ser melhor com os que nos são próximos.
Mas porque é que acreditaríamos que agora é a altura ideal para mudar?
Talvez porque a pandemia fez muitas pessoas e empresas mudar o chip de “ter” uma missão para exibir no website, para efetivamente “estar” numa missão apaixonadamente.
Pense no seu próprio caso, ainda se lembra de quem era antes do mundo lhe dizer quem devia ser? Não se preocupe, que não é o único que não consegue responder afirmativamente. Relaxe e acene porque a serenidade começa com um sorriso e esse sorriso é a fundação de uma tomada de atitude que pode mudar a sua vida e iniciá-lo numa viagem de crescimento e de procura por um determinado caminho. Mas leve malas pequenas porque a viagem é curta!
Devagar vamo-nos transformando na pessoa que sempre deveríamos ter sido.
AMO-TE
Até agora, todos assumimos e relacionámos o amor exclusivamente na esfera pessoal. Mas, quando nos é imposto um afastamento abrupto, um cortar de relações radical, quando nos tiram o tapete, percebemos a importância do amor também no campo profissional.
No meio de várias incertezas (especialmente as temporais), rapidamente percebemos que, ao não cuidarmos uns dos outros, da forma possível, enquanto colegas, gestores ou chefias, não vamos sequer conseguir alcançar aquilo a que dedicámos tanto esforço e tempo.
Fomos desafiados a assumir uma compreensão uns com os outros que seria inimaginável no quotidiano do escritório; desafiados a perceber as limitações técnicas e logísticas da vida pessoal de cada um e como estas se refletem no trabalho. Sentimos as dores uns dos outros. A preocupação com o estado de saúde dos colegas (e dos seus!), nunca foi tão grande e genuína. O contexto atual mostrou-nos como o conceito de amor também tem lugar nas relações profissionais e como é urgente amar e conectar em 2021 pela fragilidade de tudo e todos os que nos são próximos.
E é exatamente isso que se exige dos líderes de hoje: amar os seus liderados e encarar o amor enquanto única força que assegura o cuidado a ter com os outros. Só quem ama é capaz de conhecer o que está para além do óbvio, bem como compreender as ansiedades, necessidades ou problemas do outro.
Assim, importa cuidar dos que nos rodeiam de forma natural e genuína, sem que tenham de dizer para o fazer. Da mesma forma que uma mãe antecede as necessidades dos seus filhos e percebe o que é melhor para eles, também os gestores e as chefias devem ser capaz de o fazer com as suas equipas. Conhecendo, melhor que nunca, a sua realidade fora das quatro paredes do escritório, devem perceber o que fazer para tornar o seu dia a dia mais fácil e, consequentemente, não comprometer as tarefas e objetivos profissionais.
É assustador estar entregue a pessoas que não tomam conta de nós. Como acontece com as crianças negligenciadas que se tornam caprichosas, más. É melhor sermos repreendidos do que sermos ignorados. Atenção significa existir, ser objeto de interesse, ter valor.
A única força que assegura o cuidado a ter com os outros é o amor. O dever não basta. O dever fica sempre à superfície das coisas. Só quem ama compreende e conhece. Entra nos sentimentos e pensamentos do amado, participa da sua dor, das suas ansiedades, antecipa as suas necessidades, resolve os seus problemas.
Ter a possibilidade de, comedidamente, entrar na vida pessoal de cada um, também não deve ser sinónimo de conveniência. Não se trata aproveitar as vantagens, mas de aceitar as outras pessoas como personalidades independentes, com desejos próprios, valores que são compreendidos, respeitados. Na liderança, é preciso estarmos sempre prontos a dar mais do que aquilo que recebemos.
A evolução da humanidade depende hoje da mobilização moral coletiva em direção à generosidade, à amabilidade ou à serenidade. Virtudes que são, em si, cruciais no conceito do amor que deve assumir toda uma nova dimensão em 2021. Para quem lidera, não vai ser suficiente gostar de colaborador A ou B, vai ter de amá-lo.
Acredita ser possível chegarmos lá em 2021?
Quando Alexandre Magno deixou a Grécia para partir à conquista da Ásia doou aos amigos tudo o que tinha. Terminada a distribuição dos seus bens pessoais, e não os bens do reino, um dos seus amigos, Perdicas, perguntou-lhe se tinha ficado com alguma coisa para si, mesmo que fosse como recordação. E Alexandre olhando-o nos olhos, respondeu-lhe: sim, a esperança.
[Artigo de opinião publicado originalmente no jornal Expresso]