A tecnologia terá um impacto significativo na forma como trabalhamos, mas também como encontramos as pessoas para o lugar certo. A inteligência artificial e os robôs vão mudar a forma como recrutamos. Como é que os recrutadores, candidatos e organizações se estão a preparar para esta revolução?
Currículos rastreados por algoritmos, entrevistas e candidaturas feitas à distância através de um telemóvel ou em vídeo, chatbots a estabelecer o primeiro contato com os candidatos, a esclarecer dúvidas e a recolher informação – estima-se que um chatbot consiga automatizar entre 70% a 80% das atividades de recrutamento. Ficção ou realidade? É cada vez mais uma realidade que, num futuro próximo, estará nas empresas.
Ameaça ou oportunidade?
A tecnologia vai tornar processos de recrutamento mais ágeis e vai fornecer dados mais concretos sobre um candidato ou colaborador, que até agora permaneciam na esfera da intuição. A convicção é de Nuno Troni, diretor da Randstad Portugal, um dos oradores da conferência Hire@Porto Business School: "Recrutamento: Onde termina o humano e começa a tecnologia?", que debateu os desafios do recrutamento na era digital e da quarta revolução industrial.
Estima-se que o recurso à tecnologia permita reduzir o tempo de recrutamento para metade e aumentar a probabilidade de encontrar o candidato com o fit certo para o lugar. O diretor de Recursos Humanos da Altran, Ricardo Machado, que também integrou o painel de oradores da conferência, acredita que a tecnologia vai facilitar o match entre a oferta e a procura do candidato para o lugar certo, sobretudo nos aspetos quantificáveis que os algoritmos conseguem identificar. “Qual é a parte negativa? É que, muitas vezes, temos surpresas positivas, pessoas que não tínhamos expectativas muito grandes e que acabam por ser pessoas excecionais, e a máquina não vai conseguir fazer isso, porque não vai conseguir prever isso. E essa é a parte que se vai perder no meio disto, ou seja, vamos ter escolas mais assertivas, mas com menos capacidade de sermos surpreendidos positivamente”, sublinha.
Currículo em vias de extinção?
O modelo tradicional de candidatura por currículos poderá ter os dias contados, até porque as estatísticas indicam que entre 75% a 85% dos currículos recebidos não são indicados para aquela função. O digital poderá ser uma boa ferramenta para adequar a oferta do mercado à procura, porque os currículos podem ser rastreados ou filtrados por algoritmos.
O fundador da WISE - Talent Partners, Pedro Rebelo, acredita que o modelo de recrutamento está desajustado à realidade do mercado e que as empresas ainda continuam a recrutar como há 15 anos. “ Quem se quer posicionar no mercado começa pelos anúncios que são muito limitados porque representam 18% da oferta disponível e quem está a recrutar a última coisa que faz é colocar um anúncio”, afirma.
Pedro Rebelo fala num “ciclo vicioso” que é preciso inverter para que a oferta e a procura estejam ajustadas. “Inverter o ciclo é responsabilidade de todos. (…) Por exemplo, uma pessoa desempregada há três meses, tem contas para pagar e quer ter um emprego rápido, as expectativas são essas. Se olhar para o outro lado, o do mercado, o mercado não recruta assim tao rápido e passa expetativas diferentes e enquanto houver este desalinhamento vai haver sempre dificuldade em gerir as expetativas de parte a parte”, defende.
A empresa fundada por Pedro Rebelo usa o digital para chegar aos candidatos, tirando partido das redes sociais para conseguir segmentar, ser mais eficiente e mais ágil em todo o processo, e assim dar resposta às exigências do mercado de trabalho. “Hoje em dia o digital é inevitável, quem não está quase não existe, quem está e não comunica está a perder para quem está e comunica, e assim sucessivamente”, complementa Pedro Rebelo, da WISE.
Por isso é que a presença digital dos candidatos é tão importante, desde que seja adequada. “Não têm que ter Linkedins otimizados, nem Facebooks, mas acima de tudo devem precaver que há erros que não se podem cometer, ou seja, tudo aquilo que nós publicamos online , ficará online e ficará sempre para o futuro”, sublinha Nuno Troni, diretor da Randstad Portugal.
A área do recrutamento está a mudar e o próximo emprego pode estar à distância de um clique, por isso, os candidatos podem tirar partido das redes sociais como o Facebook e LinkedIn. Do lado de quem recruta surgem também novas oportunidades com o digital, como a análise e mapeamento de pessoas, a aferição do fit cultural, a pesquisa digital de referências e as plataformas autónomas de gestão de candidaturas.
O que é os robôs não vão conseguir fazer?
Na era digital que papel vão ter os recrutadores? Será que os robôs vão conseguir cumprir todas as suas funções? Nuno Troni, da Ranstad, não tem dúvidas que a “cultura da empresa, a gestão e acompanhamento do candidato, o processo de negociação, a motivação do candidato, vão ser sempre exclusivamente humanas e as tarefas mais administrativas é que vão ser automatizadas”, analisa.
É preciso uma mudança de mentalidade e neste novo paradigma os profissionais de recursos humanos têm um papel decisivo na preparação e capacitação dos colaboradores. “Os recursos humanos não são só o departamento de recursos humanos, é a empresa como um todo, toda a gente que faz parte da empresa e que quer efetivamente continuar a trabalhar e que contribuir para o sucesso pessoal e da empresa”, afirma Paula Gomes da Costa, Head of Sports Channels, Paddy Power & International at Paddy Power Betfair da Blip.
Na opinião de Ricardo Machado, diretor de Recursos Humanos da Altran, o recrutador vai passar a ter um papel mais importante na decisão final e, “em alguns casos onde seja muito fácil automatizar como em situações mais indiferenciadas, a própria máquina vai substituir o recrutador”, afirma.
A automatização do processo de recrutamento e seleção traz desafios às empresas a vários níveis. Por um lado, o novo Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), que entrará em vigor em maio do próximo ano e tornará mais restritivo o uso de dados dos candidatos que terão direito ao esquecimento e a não constarem da base de dados das empresas. “A questão é que os nossos dados não estão só na Europa e qualquer multinacional tem empresas em vários países e em vários continentes. Quem tiver uma maior capacidade financeira vai conseguir ultrapassar isto e quem tiver uma capacidade financeira intermédia ou inferior vai ter mais dificuldades”, sustenta Ricardo Machado, da Altran.
Por outro lado, o investimento necessário para implementação de plataformas digitais de recrutamento nas empresas. Este processo exige um investimento muito grande das empresas e que o tecido empresarial português terá dificuldade em conseguir comportar, continua o responsável da Altran. “ A nossa capacidade de investimento é mais baixa do que os nossos gigantes a nível europeu e a nível mundial e essa falta de capacidade financeira vai limitar muito estes investimentos (…). No início será muito difícil porque estamos a falar de investimentos de largas dezenas de milhões de euros que não são pagos através das receitas que as empresas portuguesas geram e este balanço é que será difícil de ultrapassar”, conclui.