A subida dos preços tem permanecido sob controlo nas últimas quatro décadas. Hoje quase ninguém associa a inflação a uma realidade problemática. Mas em 2021 a inflação está de volta. E tudo indica que será maior do que o esperado tanto em escala quanto em duração. Na União Europeia a inflação alcançou os 4,9% e nos Estados Unidos 6,8%; a subida mais rápida desde 1982.
O governo dos Estados Unidos afirmou que a inflação é transitória e que rapidamente desacelerará. Também salientou que o preço do gás, entre outros, já está em queda; realidade ainda não refletida nas estatísticas. Mas Steve Hanke, Professor de Economia Aplicada na Johns Hopkins University, e um dos especialistas mundiais em hiperinflação, discorda veemente: “A Casa Branca, a Reserva Federal e a comunicação social estão errados. Apontam causas ad hoc para a inflação: dificuldades na cadeia de abastecimento, preços dos combustíveis, etc. China, Suíça e Japão têm estes desafios na cadeia de abastecimento e as taxas de inflação estão abaixo dos 2%. A única causa para a inflação é o crescimento excessivo da massa monetária; demasiado dinheiro. A Teoria Quantitativa da Moeda de Milton Friedman é bastante fiável”.
Até agora os bancos centrais têm considerado a inflação um fenómeno de curto prazo e os desafios na cadeia de abastecimento temporários. Mas a disrupção na cadeia de abastecimento é apenas um dos fatores das pressões inflacionistas. Existem outros que podem gerar um ambiente de inflação sustentada. Os bancos centrais não sabem como a situação irá evoluir. E se sabem, não o dizem, assumindo o seu papel de estabilizador financeiro. Nem os investidores; que têm adotado uma visão benigna do risco da inflação. Mas o cenário atual pode sofrer uma reviravolta e virar um pesadelo.
O cenário de pesadelo é este: a inflação sobe severamente, continuando para além de 2022 e 2023. Os bancos centrais respondem com subidas agressivas das taxas de juro. Os preços dos ativos baixam (valores das ações, valores dos títulos, preços dos imóveis). A queda do preço dos ativos conduz ao colapso do consumo e a uma recessão substancial. A situação de endividamento do consumidor agrava-se e os preços dos ativos caem ainda mais, enquanto o custo do serviço da dívida aumenta devido às taxas de juro mais altas. A situação de endividamento dos governos também se deteriora com o colapso da receita tributária e o aumento do custo do serviço da dívida (num contexto de recorde do rácio entre dívida pública e PIB).
Já vimos isto no passado. Isto é “Estagflação (ou “Stagflation”): crescimento lento e taxas de inflação altas. Os Governos respondem com medidas para estimular a economia, imprimindo mais dinheiro e acionando a “flexibilização monetária” (ou “quantitative easing”), uma política monetária pouco consensual: os bancos centrais estimulam a economia em tempos de crise ao comprar títulos públicos e privados para injetar capital na economia, baixar as taxas de juro de longo prazo e promover o empréstimo e investimento. Mas as medidas podem fazer ricochete, conduzindo a uma maior desvalorização da moeda e maior inflação. Um verdadeiro pesadelo com consequências políticas. Sabemos como correu na Alemanha dos anos 30. É impossível prever o resultado político deste cenário macro. Só podemos destacar que a disrupção seria significativa, pois os eleitores iriam procurar uma solução política para essa conjuntura.
O cenário de pesadelo é o pior possível. Um outro cenário mais favorável é um período contínuo de inflação moderada, no qual os bancos centrais poderão aproveitá-lo para evitar a sua enorme dívida por meio da “repressão financeira”, uma política que lhes permite pedir empréstimos a taxas de juro muito baixas, obtendo recursos de baixo custo para as suas despesas. Conseguem-no através de taxas efetivas negativas (positivas em termos absolutos, mas negativas em termos reais). Esta ação é, portanto, "repressiva" porque os aforradores obtêm retornos inferiores à taxa de inflação.
Para os investidores, o contexto atual é arriscado. À medida que os bancos centrais “normalizam” as taxas de juro, pode verificar-se um grande volume de venda de títulos, fazendo com que o seu preço caia numa rápida sucessão. As perdas na carteira podem ser elevadas. O ponto de viragem pode dar-se pelo consenso, ao reconhecer que as taxas estão prestes a iniciar uma trajetória ascendente.
Na semana passada, a Reserva Federal Americana afirmou que, em março, encerrará o programa de compra de títulos adotado durante a pandemia, abrindo caminho para três aumentos de 0,25% nas taxas de juros até finais de 2022 e evitar a subida de preços. Ao mesmo tempo, o Banco Central Europeu (BCE) anunciou a redução da compra de títulos em resposta ao aumento da inflação, mas comprometeu-se a continuar a comprar ativos durante, pelo menos, 10 meses e rejeitou o aumento das taxas de juro em 2022 (mas irá provavelmente aumentá-las em 2023). Esta decisão contrasta com a suspensão drástica dos apoios à crise da Reserva Federal e do Banco da Inglaterra.
A medida para suspender a expansão do Programa de Compras de Emergência Pandémica do BCE era amplamente esperada pelos analistas, dado o recente aumento da inflação na zona euro. Christine Lagarde, Presidente do BCE, disse que a economia da zona euro recuperou o suficiente para permitir uma “redução progressiva no ritmo de compra de ativos”. Mas acrescentou que a "acomodação monetária" (o aumento das taxas de juro) ainda será necessária para a estabilização da inflação em 2%; a meta a alcançar. Perante a incerteza gerada pela variante Ómicron, Lagarde disse que o BCE quer evitar uma “transição brutal” para níveis mais baixos de compras.
O BCE afirma que as suas decisões irão permitir flexibilidade na sua política monetária perante as atuais incertezas económicas. Parece que o BCE (tal como a Reserva Federal) irá manter as taxas de juro efetivas negativas, pelo menos, até 2022 e, possivelmente, 2023. Só o tempo dirá se isto é repressão financeira deliberada ou uma medida apropriada dadas as circunstâncias.
Artigo originalmente publicado no Jornal de Negócios de 22.12.2021