Nos últimos meses muitos trabalhadores deixaram os seus empregos a um ritmo recorde. Mais de 20 milhões tomaram esta decisão só nos EUA, onde já se fala em “The Great Resignation” (“A Grande Renúncia” em português). Mas este fenómeno é global e está a perturbar os negócios pelo mundo fora, mas também em Portugal.
As empresas estão a debater-se com este desafio. Muitas não compreendem a decisão do colaborador. Em vez de usarem o tempo para investigar as causas, muitas empresas formulam soluções precipitadas, oferecendo, por exemplo, compensações financeiras. Se a única resposta a este fenómeno é aumentar salários, então os melhores talentos vão sempre conseguir uma oferta melhor noutro sítio. Em vez de valorização, os colaboradores sentem uma transação e não veem as suas verdadeiras necessidades respondidas. Ao não compreender porque os colaboradores saem, os líderes colocam os seus negócios em risco.
Depois de dois anos de pandemia os colaboradores estão cansados. Anseiam pela dimensão humana do trabalho: as relações interpessoais com colegas e diretores e um sentido de propósito renovado no trabalho. Mais do que dinheiro, querem sentir-se valorizados pelas organizações e líderes.
Um estudo da McKinsey sobre a “Great Resignation” conduzido nos EUA e em outros países, indica a falta de valorização pela organização e a falta de sentimento de pertença como principais fatores para os colaboradores deixarem o emprego. Assim, muitos gestores de topo terão de repensar a sua liderança e cultivar a empatia pelos seus colaboradores e por aquilo que estão a passar, combinando-a com compaixão e perseverança para mudar. Os gestores que não fazem com que os seus colaboradores se sintam valorizados, poderão estar a afastá-los das empresas.
E não pensem que o desgaste dos colaboradores está a diminuir. O inquérito da McKinsey indica que nos próximos três a seis meses 40% dos funcionários irão provavelmente desistir, enquanto 64% dos empregadores preveem que o problema continue nos próximos seis meses. O desgaste pode também piorar, porque os colaboradores estão dispostos a pedir a demissão, mesmo não tendo um novo emprego. Entre os colaboradores inquiridos, 36% dos que pediram demissão nos últimos seis meses, fizeram-no sem ter um novo emprego.
Há ainda outra razão para a “Grande Renúncia”, pois mesmo os colaboradores satisfeitos correm o risco de desistir. Com mais empresas a oferecer opções de trabalho remoto, estes colaboradores podem mudar as suas intenções. Entre os colaboradores que afirmaram que provavelmente não pediriam demissão, 65% indicaram o desejo de permanecer na cidade onde moram como principal motivo para continuar no emprego. No entanto, entre os inquiridos que aceitaram novos empregos em novas cidades nos últimos seis meses, quase 90% não precisaram de se mudar, pois cada vez mais empresas oferecem a opção de trabalho remoto. Assim, com mais ofertas de trabalho de “localização agnóstica” à escolha, mesmo os colaboradores satisfeitos poderão mudar o seu compromisso com as empresas onde estão, principalmente se os gestores de topo destas empresas lidarem mal com a transição para o trabalho híbrido ou se nem sequer o oferecerem.
O trabalho remoto não é uma solução milagrosa, mas o regresso total ao local de trabalho também não é. A conectividade pessoal continua a ter muitos benefícios para as organizações. Um estudo realizado pela consultora imobiliária Savills em países europeus demonstra que o espaço de trabalho tradicional é considerado muito importante. Em Portugal, 87% dos inquiridos indicam que a manutenção do escritório da empresa é necessária para o bom funcionamento da organização. No entanto, as empresas também reconhecem os benefícios de trabalhar em casa ou as vantagens de adotar um modelo híbrido. Na verdade, o inquérito indica que 53% dos portugueses gostariam de trabalhar em casa um ou dois dias por semana, enquanto 4% gostariam de trabalhar em casa a tempo inteiro.
À medida que a procura por soluções flexíveis aumenta, mais empresas estão a adotar novos modelos de trabalho híbrido. Um estudo da consultora Mercer feito em Portugal revela que 75% das empresas pretendem implementar um modelo híbrido, enquanto 33% pretendem proporcionar trabalho remoto a tempo inteiro. E a flexibilidade será fornecida no espaço e no tempo. O estudo mostra que 71% das empresas planeiam oferecer horários flexíveis, com 30% a optar pelo horário reduzido ou parcial e 21% a permitir personalizar horários ou turnos.
Por sua vez, a necessidade de flexibilidade de trabalho está a impactar os próprios espaços de trabalho, tornando-os mais eficientes e colaborativos. O estudo indica que 46% das organizações pretendem realizar transformações nos próximos cinco anos, como a redução do número de espaços, prédios e escritórios individuais, ou a mudança para escritórios abertos e “hot desking” (a ausência lugares fixos no escritório).
Um outro estudo da consultora Hays revela que os trabalhadores estão mais interessados em “trabalhar em qualquer lugar”, em vez de fazê-lo em casa ou no escritório. As políticas de captação e retenção de talentos devem incluir um modelo de trabalho híbrido, oferecendo maior flexibilidade aos colaboradores. Como Alistair Cox, CEO da Hays, destaca: “o trabalho remoto veio para ficar e vai acelerar à medida que as empresas se sentem mais confortáveis em contratar pessoas em qualquer lugar do país (ou do mundo) e as suas estruturas e tecnologia o permitam. O potencial de acesso a bancos de talentos globais é enorme.”
Tanto os empregadores como os colaboradores terão de se adaptar às implicações de longo prazo das mudanças estruturais impulsionadas pelo Covid-19. A “Grande Renúncia” irá continuar e poderá piorar antes de melhorar. No entanto, a ameaça é também uma grande oportunidade. Para aproveitá-la, as empresas devem dar um passo atrás, ouvir, aprender e fazer as mudanças esperadas pelos colaboradores – começando pelos aspetos relacionais do trabalho e pelos modelos de trabalho flexíveis e híbridos. Ao fazê-lo, as empresas podem ganhar vantagem na corrida para captar e reter os talentos necessários para uma organização próspera pós-pandemia.
Artigo originalmente publicado no Jornal de Negócios de 19.01.2022