A nível multilateral, a crise pode ser lida como um apelo a mais cooperação ou, inversamente, afastar ainda mais os dois centros do poder.
No Fórum Económico Mundial, um artigo assinado por John Letzing, datado de 21/02/2020, enunciava cruamente o problema para as empresas mais globalizadas: “A Covid-19 tem implicações potencialmente graves para a economia global”. Os impactos da sua difusão estão a afetar “setores económicos em todo o mundo, desde os produtores agrícolas nas Américas até aos fabricantes de painéis solares na Índia passando pelos trabalhadores de turismo na Ásia.”
Notava-se no mesmo texto que, para além das preocupantes repercussões na saúde humana da Covid-19, provocada pelo vírus SARS-CoV-2 (coronavírus), “o impacto económico do surto deste vírus tem também implicações potencialmente desastrosas”. Em inícios de março, tornou-se ainda mais evidente este risco. A Covid-19 está a afetar, crescentemente, as cadeias de abastecimento das empresas e a atrasar, ou interromper, operações de fabrico de produtos um pouco por todo o mundo.
Nesta altura, as empresas e organizações mais vulneráveis a este risco são aquelas que dependem largamente, ou de forma exclusiva, de fábricas na Ásia, em particular na China, mas também da Coreia do Sul e outros.
Philipp Carlsson-Szlezak, Martin Reeves e Paul Swartz questionavam-se na Harvard Business Review, num texto publicado a 3/03/2020, sobre “O que o coronavírus pode significar para a economia global?”.
Procurando antecipar as suas múltiplas repercussões e impacto — e sobretudo as suas consequências mais duradouras na economia —, nos planos microeconómico, macroeconómico, mas também político, notavam o seguinte sobre estas últimas: “as ramificações políticas não devem ser descartadas globalmente, pois o vírus põe à prova a capacidade de vários sistemas políticos de protegerem efetivamente as suas populações.
Instituições frágeis podem ficar expostas e serem desencadeadas mudanças políticas. Dependendo da sua duração e gravidade, a Covid-19 pode até influenciar a eleição presidencial dos EUA. A nível multilateral, a crise pode ser lida como um apelo a mais cooperação ou, inversamente, afastar ainda mais os dois centros do poder geopolítico mundial”. Este é um problema que merece a atenção do mundo empresarial.
As observações de Carlsson-Szlezak, Reeves e Swartz salientam bem o risco para as organizações, especialmente para as mais globalizadas. Mostram também como a avaliação dos riscos e a elaboração de estratégias não deve ficar por uma análise redutora, excessivamente condicionada por uma visão económico-empresarial do ambiente envolvente. Olhar de forma multidisciplinar e abrangente para os possíveis fatores de risco (e de oportunidade) é fundamental.
Nesta área, a análise geopolítica traz um know-how relevante para as empresas e organizações em geral. Não é apenas uma questão de compreender melhor política, ou geopoliticamente, o mundo, o que já em si é útil numa gestão internacional. É também uma questão de desenvolver um pensamento estratégico que antecipe, tanto quanto possível, riscos e tendências.
Antes de a Covid-19 se espalhar um pouco por todo o mundo, as duas maiores potenciais comerciais — os EUA e a China — estavam envolvidas numa intensa competição e rivalidade pela supremacia global. Esse conflito já levava a identificar uma tendência e risco geopolítico: os atuais anos 20 poderiam ser um período de desglobalização, entendida esta como um conjunto de processos, em grande parte políticos, que levam à diminuição da interdependência e da integração do mundo, ou em partes substanciais deste, e que afetam, desde logo, as economias nacionais e as empresas.
A questão adquiriu uma nova dimensão (e intensidade) com o aparecimento da epidemia (ou pandemia) ligada à difusão global do coronavírus. Vamos ter estratégias fundamentalmente cooperativas para combate ao vírus e à doença a nível internacional? Ou vamos assistir àquilo que na teoria dos jogos usualmente se chama o ‘dilema do prisioneiro’, com os Estados a fecharem fronteiras e a barrarem o acesso à sua economia de fluxos de pessoas e outros, num misto de atitude defensiva e de tentar tirar vantagem de um rival, ou competidor? Por outras palavras, a Covid-19 pode dar lugar a uma trégua cooperativa entre os EUA e a China na economia e política mundial — o que será bom para as empresas mais expostas à globalização —, mas também pode intensificar, ainda mais, a rivalidade geopolítica e as tendências de desglobalização pré-existentes.
Naturalmente que nenhum destes cenários é controlado pelas empresas e organizações, pois o seu rumo será ditado fundamentalmente por fatores de natureza política. Em qualquer caso, impõe-se antecipar, o mais possível, as tendências e riscos para delinear estratégias de adaptação bem-sucedidas. E aí a análise geopolítica e a teoria dos jogos podem dar um contributo fundamental.
José Pedro Teixeira Fernandes
Docente convidado na Porto Business School e diretor do programa Jogos Estratégicos e Geopolítica para Executivos