Na competição pela supremacia global no século XXI uma importante questão emerge: quem tem a melhor estratégia? A América, com a sua rede global de alianças tecida gradualmente desde o pós II-Guerra Mundial e que a liga hoje a mais de seis dezenas de Estados?; ou a China, que não tem praticamente nenhuma aliança político-militar, à excepção da Coreia do Norte?
À primeira vista a resposta parece demasiado óbvia — a vantagem estratégica está do lado da América com a sua ampla rede de aliados — pelo que nem seria necessário refletir mais profundamente sobre a questão. Todavia, tal como acontece com as alianças entre empresas no mercado, as alianças político-militares entre Estados soberanos nem sempre se traduzem nas vantagens estratégicas que se perspetivavam na altura da sua concretização.
Múltiplas razões podem concorrer para isso, desde logo o decurso do tempo que tende a ter efeitos de transformação e de desgaste.
2. O dilema estratégico da América de hoje faz lembrar o dilema das empresas muito bem-sucedidas no mercado durante longos anos. Habituaram-se ao seu domínio incontestado sem competição à altura. A sua organização e cultura estratégica estão largamente orientadas para uma determinada realidade e forma de actuar. Mas na competição geopolítica, tal como na competição económico-empresarial, não há posições perpetuamente garantidas, por muitas vantagens intrínsecas que se disponham.
Assim, quando ocorre uma inovação tecnológica disruptora, uma alteração brusca no mercado, ou qualquer outra razão que provoque uma mudança desestabilizadora, quem se habituou à supremacia enfrenta muita dificuldade em adaptar o modelo organizacional e estratégico. Particularmente crítica é esta faceta do problema: se a estratégia foi tão bem-sucedida até agora, por que razão mudá-la?
Vale a pena trocar o certo, uma estratégia com provas dadas de sucesso, pelo incerto, apostando numa estratégia diferente ainda não testada?
3. Tal como ocorre com os mercados, a geopolítica está em permanente transformação e requer adaptações, ou modificações por vezes profundas das estratégias. A vasta região da Ásia-Pacífico, ou Indo-Pacífico, está a tornar-se o centro económico e político do mundo. Se as tendências de confirmarem, irá substituir a região Atlântica, ou seja, a América do Norte e Europa Ocidental, no lugar da centralidade a que nos habituámos.
A China, para além das vantagens de ser parte intrínseca da Ásia-Pacífico, tem já aí uma posição económica preponderante. Essa posição será provavelmente reforçada pela Parceria Económica Abrangente Regional (RCEP) com os países da ASEAN e outras importantes economias da Ásia — o Japão, a Coreia do Sul, a Austrália e a Nova Zelândia — aliadas político-militares dos americanos, o que mostra bem o contraste da estratégia chinesa com a americana. A China aposta numa estratégia de contornar as alianças dos EUA com parcerias económicas, na Ásia e no resto do mundo, criando uma rede ainda mais abrangente que a dos americanos. Procura criar (inter)dependências assimétricas que lhe são favoráveis. Permitem, quando necessário, uma alavancagem dos seus interesses político-militares, mas sem compromissos de segurança, o que lhe deixa mãos livres.
Veremos se estratégia americana, que continua impregnada do sucesso das alianças feitas na Guerra-Fria — e das vantagens de ter criado a ordem económica internacional de Bretton Woods (1944) —, superará esta nova e formidável competição global.
José Pedro Teixeira Fernandes
Co-Diretor do Programa Jogos estratégicos e Geopolítica para Executivos
Investigador do IPRI-Universidade Nova de Lisboa e Investigador associado do IDN-Instituto da Defesa